O ENCANTAMENTO DA MÁSCARA

CARNAVAL DE LAZARIM, LAMEGO.

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Lazarim, aldeia do concelho de Lamego à qual foi restituído o velho título de vila celebra, actualmente, o seu Carnaval com pompa e circunstância, ao longo desse tríduo que precede a Quaresma, com especial incidência na terça-feira gorda, assim dita, mercê das práticas gastronómicas desse dia, fartas da carne de porco.

Essa dita terça-feira de Carnaval ou de Entrudo, como antes por ali se dizia, integra três elementos distintos:

– A circulação dos caretos e senhorinhas, os portadores de máscara de feição masculina ou feminina;

–  a leitura dos testamentos do compadre e da comadre;

– e o rebentamento dos antropomorfos que significam o compadre e a comadre.

O compadre e a comadre. Antropomorfos que presidem à leitura dos testamentos e depois se sacrificam pelo fogo.

Reabilitada esta festividade ancestral a partir de 1985, quase desaparecida ela estava sob o signo do Estado Novo, foi também reinventada – por dois prodigiosos artesãos, singulares no seu naïvismo, o Adão e o Costinha, a que hoje outros se acrescentam – a construção das máscaras, de que persistiam saborosos registos já então guardados na Junta de Freguesia. Às máscaras se acoplam, como disfarce, as inventivas vestimentas dos caretos e das senhorinhas, utilizando materiais locais hoje enriquecidos com nova performance.

E assim se tornou singular cartaz de um povo, que ali recebe milhares de forasteiros para assistir ao festivo Carnaval.

A verdadeira festa ocorre na tarde de terça-feira gorda com a deambulação dos caretos e das senhorinhas por entre a multidão, que também percorre os quatro cantos da vila: aqueles, os caretos, com a estranha indumentária que inventaram, portadores de uma bengala, velho lódão de feira ou roberto, esse cacete antropomórfico afeiçoado a partir de tronco de carvalhiço ou de urze; as senhorinhas utilizando traje feminino, muitas vezes portadoras de bolsa de cerimónia ou de uma cestinha, o rosto às vezes apenas coberto por uma renda.

Uns e outros interagem com o público, que reage, entre o susto e o riso, face à inquietante presença da insólita figuração dessas criaturas travestidas, tantas mais vezes ostentando os caricaturais símbolos demoníacos que vêm da longeva tradição.

O segundo momento é o da ansiada leitura dos testamentos, feita a partir de uma varanda: o das comadres, lido pela figura masculina; o dos compadres lido pela figura feminina. Textos clássicos na sua arrumação de Princípio, Deixada e Fim, escritos ao longo de semanas num secretismo necessário, cada um deles causticando depois, sem piedade, comportamentos, tipicidades ou maneiras das criaturas de sexo oposto que, no geral, geram gargalhadas.

O dito Princípio da composição traz a enunciação da figura masculina ou feminina a quem se deixa (Deixada), como herança, uma parte do imaginal burro ou burra, do qual se fará repartição, aquela que antes respeitará ao defeito enunciado.

O terceiro acto do dia, o Fim, é a despedida, junto aos dois troncos de pinheiro, onde, no topo, se coloca um ferrão oleado com sabão para que os antropomorfos, o compadre e a comadre possam girar facilmente quando a carga de pólvora se acender e eles começarem a rodopiar até ao rebentamento, que culmina, com o riso da multidão, esse auto de fé que para o ano voltará a acontecer. Deixam eles a promessa.

O dia encerra com o típico acto de comensalidade característico da época e do dia: o caldo de farinha, uma feijoada com chouriço e o vinho da região, tudo à disposição de quem queira partilhar.

Para ver, ainda, na aldeia, o moderno Centro Interpretativo da Máscara Ibérica. Vale a pena. E valerá a pena voltar!…

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