É sempre tempo de reescrever a História

Acorda Inês – A Rosácea constitui, na verdade, um título bem estranho. Esse é, porém, o jeito da conimbricense Maria Helena Ventura: emprestar aos seus romances históricos uma aura de intrigante e mui aliciante mistério.  O livro foi apresentado pelo historiador e escritor António da Costa Neves, na tarde do passado dia 1 de Fevereiro, no auditório do Centro Cultural de Cascais, que esteve, para o efeito, muito bem preenchido de ouvintes.

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Fora o apresentador cativo duas horas, não de amores, mas do engarrafamento da ponte e veio ler-nos o texto que mui ponderadamente redigira, a dar conta do que fora o seu espanto e entusiasmo, ao embrenhar-se por uma história que, sublinhou, vinha subverter quanto – e muito fora! – se tem escrito sobre os amores de Pedro e Inês. A documentação histórica a que a Autora recorrera vinha mostrar (como, aliás, se escreve na capa), o que fora «a história secreta do verdadeiro amor de Pedro e Inês», aquela que duas vezes morrera.

Tramas insuspeitadas; a acção até agora não contada a sério do papel de el-rei D. Afonso IV; um Pedro que ia com tudo o que apanhava à mão, fosse donzela ou donzel; um carácter que se caracterizaria hoje como bipolar; uma Inês em plena juventude ainda; uma ida a Canidelo (Vila Nova de Gaia), terra natal de Carolina, a avó da Autora, «o lugar onde Pedro e Inês foram mais felizes»…

Personifica Inês, garante a Autora, «a mulher usada como bode expiatório de todos os erros das lideranças masculinas, primeiro em itinerância forçada para viver o seu amor sem ser apontada como barregã, depois sacrificada à segurança do reino com a pena capital».

Por isso, conclui Maria Helena Ventura que foi sua intenção tornar mais visível, «nesta realidade ficcionada, com voz serena e determinação», o lugar de Inês como «figura adorada pelos portugueses», lugar «que já lhe foi concedido sem equívocos ao longo de gerações».

«Para os cronistas medievais», lê-se na contracapa, Inês «foi apenas uma intriguista que o enfeitiçou na cama»; mas pergunta-se por que razão se esquece que el-rei Afonso IV fez inúmeras «tentativas para que Pedro desposasse Inês e legitimasse esse amor, algo que o filho sempre recusou».

Indagar-se-á, pois, da razão do título, em que se esperaria uma vírgula e um ponto de exclamação, assim: «Acorda, Inês!» – qual pretenso grito de alguém (o enamorado Pedro?) a uma Inês, real ou imaginariamente, adormecida na sua paixão. E depois, quase em jeito de subtítulo, «A rosácea», a lembrar templo gótico, quiçá o Mosteiro de Alcobaça, onde seu túmulo e de seu amado se mostram…

Decerto – e a leitura no-lo confirmará ou não – o que a Autora mui engenhosamente pretendeu dizer-nos, ao apresentar-nos uma narrativa «inspirada em novas descobertas históricas», foi que é sempre tempo de reescrever a História. Neste caso, a daquela já tantas vezes contada e que Camões imaginou «posta em sossego, de seus anos gozando o doce fruito». Um fruito que, afinal, bem amargo saboreou.

1 COMENTÁRIO

  1. Querido Amigo José d’Encarnação
    Muito grata por chamares a atenção para este meu último romance histórico, em tudo diferente dos anteriores, até na linguagem coloquial dura e crua da Idade Média.
    O título inicial era A Rosácea, porque esse elemento decorativo da arquitectura gótica, como janela visível em tantas construções religiosas, era um símbolo de espiritualidade, levando a luz do alto ao interior e elevando as pessoas ao alto.
    Até na forma como, no facial da cabeceira do túmulo de D, Pedro I, procura relacionar as figuras protagonistas com o sagrado em rodas concêntricas que têm sido alvo de análises várias…
    Mas D. Afonso IV, indeciso até ao fim em concordar com a pena máxima, ao vê-la deitada no chão grita: ACORDA INÊS! E o editor gostou mais desse frase imperativa.
    Daí que o livro (que é um romance) ficasse com um título e um subtítulo, ambos importantes para autora-editor.
    O resto é complexo. Estamos a falar de um rei doente, talvez bipolar e epiléptico, já que os físicos do século XIV não sabiam muito. Apenas tinham a certeza da sua gaguez acentuada e de uma bissexualidade que seria reprovada naqueles tempos.
    Tentei tratar todos estes temas com o maior respeito, embora com abertura. Tudo menos a crueldade do rei e arbitrariedade na execução de penas despropositadas.
    O resto cada leitor vai avaliar. Em parte graças à curiosidade que aqui despertas.
    Um beijinho muito grato.
    Helena

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