Em fevereiro de 1988, a Câmara Municipal de Cascais decide ampliar as suas instalações para poente, para o Beco do Teatro, num espaço sem construções há uns anos.
Durante as décadas de 70 e 80 do século passado, tínhamos visto que, nas redondezas, aquando da abertura de alicerces para novos prédios, apareciam vestígios medievais, pelo que as obras realizadas naquela zona estavam sujeitas a acompanhamento arqueológico por parte do Gabinete de Arqueologia da C. M. C.
Foi então feita, inicialmente, uma limpeza do terreno, para ver se havia algum vestígio arqueológico. Logo na primeira camada, apareceram indícios da primeira metade do século XX, dos quais sobressaía um alguidar ou saladeira ou barranhão com decoração vegetalista esgrafitada na parede interna e, no fundo, a palavra João.

Realizou-se, pois, com carácter de urgência, uma escavação arqueológica, no lado poente do terreno, ao mesmo tempo que uma grande máquina de rasto retirava a terra do lado nascente. A escavação arqueológica revelou ruínas de edifícios, que foram datadas do século XV a inícios do XVI, atendendo aos objetos encontrados.

Como é hábito, os moradores das redondezas quiseram ver os achados, o que foi aproveitado pelos arqueólogos para falarem da utilização daquele espaço no passado. Disseram-nos, então, que, na primeira metade do século XX, ali tinha existido a “loja” de uma armação e uma “companha” (do latim vulgar companĭa, grupo de pescadores que se ocupavam da mesma faina) constituída essencialmente por pescadores de outras regiões do país, principalmente de algarvios, que habitualmente procuravam trabalho em Cascais durante a época de pesca.
Ali dormiam em beliches construídos com barrotes de eucalipto e cordas, encostados às paredes, onde cada um tinha o seu baú para guardar os pertences. Comiam no meio da sala, onde eram colocadas mesas improvisadas, sentando-se em rústicos bancos de pranchas de madeira, como se pode ver na fotografia de uma “companha” que existia em 1942, na baixa de Cascais.


Estas “lojas” eram os locais onde os pescadores aboletavam e onde havia diversos apetrechos ligados à armação a que pertenciam.
OS FLUXOS MIGRATÓRIOS
Segundo nos contou o saudoso Fernando Cornélio, colaborador do Jornal da Costa do Sol, os primeiros algarvios, quando chegavam de comboio, vinham com pouco dinheiro para comprar alimentos, tendo que ir de rocha em rocha, à beira-mar, apanhar lapas e mexilhões para se alimentarem, acabando por ‘limpar’ todas as pedras entre a Guia e a Parede.

Segundo Mário Cornélio, a faina de pesca iniciava-se em abril até meados de setembro, pelo que se dizia “entre equinócios”.
Após o equinócio da Primavera (20 de março), o mar acalmava e principiavam os trabalhos nos arraiais do Rosário, ao cimo da Avenida da República, e no da Atalaia, na avenida de Sintra, onde era a Mitra.
Juntas de bois, conduzidas por saloios, transportavam primeiro os rolos de cabo de aço, seguindo-se as âncoras e os ferros de 4 unhas, para serem levadas para o mar.
Depois vinham os paneiros: eram de troncos de eucalipto cortados ao meio e com cerca de 2 metros de comprimento. Seguia-se o bota-abaixo das barcas e dos batéis e, por fim, lá vinham as redes, primeiro as laterais, portas e, por fim, a rede de fundo.
Cada empresa tinha a sua loja e tentava-se que fosse um espaço grande onde coubessem todas as suas companhas.
Como já dissemos anteriormente, a mão-de-obra algarvia serviu durante anos para suprir as faltas que existiam no operariado concelhio, os homens nas profissões de canteiros e pescadores, e as mulheres na agricultura.
Nos anos 60 do século passado, com o desenvolvimento do turismo no Algarve, foram muitos os empregados de hotelaria do concelho de Cascais que migraram para o Algarve, suprindo assim a falta de mão-de-obra especializada naquela província.
