A ampla cavidade quadrada que se vê na parte superior poderia ser destinada a receber a haste, quiçá, dum cruzeiro; e, neste caso, classificar-se-ia a peça como pedestal.

Na parte dianteira da cavidade, há, porém, a representação, porventura, duma cabeça humana com turbante, já muito estragada devido à exposição aos agentes atmosféricos, porque se trata certamente de um calcário, agora de pátina muito alaranjada.
Doutro ângulo, parece um crânio relevado, como sugeriu Vítor Serrão; de facto, de lado, apercebemo-nos bem que a «carantonha» está em alto-relevo, saindo duma superfície arredondada e rugosa. Não deixa de ser apetecível, por outro lado, ver aí, do ponto de vista formal, semelhanças com as figurações que terminam as gárgulas dos templos antigos.


Eventuais parecenças com as representações de chaouabtis, os servos funerários em forma de múmia achados em túmulos egípcios – como o que figura no Museu de Grenoble, em França –, poderiam levar a caminhos aliciantes… Não vamos por aí, dado que se nos afigura algo simples, mera e grosseira decoração sobre um plinto, este semelhante aos monumentos romanos, moldurado em cima e na base. Aliás, terá sido por isso que a tradição local chegou a considerar este marco como romano.
No fuste, na face dianteira, lê-se AV e, na segunda linha, DL; na face posterior CE / DE; no lado direito, VF / VO; no lado esquerdo, CE / LO.
As letras são maiúsculas, de muito bom recorte, com serifas, preciosamente esculpidas mediante badame, de que resulta um notável trabalho gráfico, num tipo comparável ao footlight MT light, que informaticamente nos é actualmente proporcionado. Esse requinte paleográfico contrasta aparentemente (ou não contrastaria quando a peça estava em boas condições) com o carácter (agora) tosco da ‘cabeça’ que orna o capitel e impede que se lhe atribua uma datação antiga; mais parece, do ponto de vista paleográfico, obra do século XX.
Numa circunstância destas, a tendência é procurarmos que, lendo à volta, se consiga obter uma palavra. Tal não acontece aqui, de modo que estas siglas talvez possam corresponder à identificação de proprietários de terras ou de lotes de terreno, destinando-se esse marco a ser o ponto crucial da delimitação de quatro territórios. Caso essa hipótese venha a ser considerada, cuidadosa busca às matrizes no Registo Predial poderão vir a trazer alguma luz, embora também se desconheça, neste momento, como e donde é que a peça veio parar à sacristia da Senhora das Neves.
Motivos bastantes, estes, para se dar atenção a este aparentemente desinteressante marco com letras e uma carantonha a fazer negaças prá gente!