“A democracia morre na escuridão”

Dez anos depois do ataque jihadista ao jornal satírico Charlie Hebdo, uma cartoonista norte-americana demitiu-se do jornal Washington Post por lhe terem censurado a publicação do seu desenho.

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cartoon de Ann Telnaes censurado pelo Washington Post

Ann Telnaes tem um traço mordaz. Se não fosse assim não valeria a pena olhar para os seus cartoons. Mas o jornal onde trabalhava não aguentou o peso político do cartoon onde se mostra a promiscuidade entre os maiores negociantes do mundo e o Presidente dos EUA.

O ato censório terá sido decisão do próprio patrão. O dono do jornal é o multimilionário Jeff Bezos, um dos visados no trabalho de Ann Telnaes. Ou pode ter sido um dos apparatchiks a querer mostrar serviço. Pouco importa. A coisa revela como a liberdade de expressão é uma “instalação” falaciosa mesmo em regimes políticos que se arvoram grandes defensores das liberdades.

Ann Telnaes é uma cartoonista premiada. Venceu o Pulitzer em 2001, venceu o National Cartoonists Society’s Reuben for Outstanding Cartoonist em 2016, venceu o Prémio Herblock em 2023, entre outras distinções. Tem livros publicados com os seus cartoons, não precisaria deste espetáculo para dar nas vistas. Passou a ser, agora, uma celebridade mundial. Talvez não tenha mais trabalho nos EUA, mas há de haver sempre um Charlie Hebdo para os que teimam em ser livres.

Na hora da despedida, a cartoonista publicou na net as razões porque se demitia: “trabalhei no Washington Post desde 2008 como cartoonista editorial. Tive muitas discussões sobre as minhas propostas de trabalho, mas nunca tinha tido um trabalho proibido de ser publicado”, diz Ann Telnaes.

“O meu cartoon critica os multimilionários donos de empresas de tecnologia e media que têm feito tudo para agradar a Trump. Recentemente, houve vários artigos sobre esses homens com contratos governamentais lucrativos e um interesse em eliminar as regulamentações. No meu desenho incluí Mark Zuckerberg/Facebook e fundador da Meta, Sam Altman/CEO da AI, Patrick Soon-Shiong/editor do LA Times, a Walt Disney Company/ABC News e Jeff Bezos/proprietário do Washington Post”, assim descreve Ann Telnaes o trabalho que fez.

Para a cartoonista, os proprietários de empresas de media têm obrigações extra, “são responsáveis por salvaguardar a imprensa livre – e tentar entrar nas boas graças de um autocrata só resultará em minar essa imprensa livre”, acusa.

“O meu trabalho é responsabilizar pessoas e instituições poderosas. Pela primeira vez, fui impedida de fazer esse trabalho crítico. Por isso, decidi deixar o Post. Duvido que a minha decisão cause muita celeuma porque sou apenas um cartunista. Mas não deixarei de retratar a verdade através das minhas caricaturas, porque, como se costuma dizer, a democracia morre na escuridão.”

Muitos outros cartoonistas já expressaram o seu apoio a Ann Telnaes, recriando o trabalho proibido de diferentes modos.

Barry Blitt desenhou Bezos a beijar o cu de Trump
cartoon de Dave Whamond
cartoon de Emma Cook
cartoon de Steve Brodner

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