Há dias encontrei “Sobe a Maré Negra” e decidi ler Drabble em português. Não sendo um livro empolgante – daqueles que me fazem deixar tudo de lado – é, no entanto, um verdadeiro tratado sobre os anos maduros durante os quais Fran, uma das personagens principais (já bem entrada nos setentas), pretende continuar comandante do seu destino e senhora da sua alma. A velhice é um dos temas mais importantes deste livro, já por si um tema para heroísmo e que requer, por isso, toda a coragem do mundo. Há, nestas 356 páginas, uma reflexão sobre a decadência na velhice e a estranheza perante o desejo de a raça humana se querer perpetuar, de querer continuar a viver a todo o custo… Francesca leva-nos pela mão numa viagem pelas angústias do envelhecimento, pelos seus medos e mitos.
Há quem pense que as nossas emoções encolhem à medida que envelhecemos e que a paz de espírito se instala. Nada mais falso. Novos tormentos nos assustam e lidar com a decadência, a morte e as últimas coisas é tudo menos pacífico. Eis uma reflexão sobre a crise de fim de vida perante a qual a crise de meia-idade é uma brincadeira de criança mimadas. Mas terá a velhice algum conforto? Envelhecer pode ser uma viagem fascinante em direção ao desconhecido. Mas esta é apenas a boa maneira de a encarar. Há depois a outra… a maneira de enfrentar a velhice e a doença com uma pastilha mágica, uma cabine de suicídio ou um bilhete só de ida para a Suiça. À medida que se envelhece, afirma Fran, tornamo-nos mais egoístas, vivendo para os nossos apetites. E assim deverá ser…
Em suma, a vida é vista como uma viagem, uma peregrinação com um destino, um fim. De nada adianta vivermos rodeados dos mecanismos que criámos para negar a morte ou negar o cumprimento do nosso destino. Por isso, muitos acabam por chegar ao fim incapazes de fazer as suas despedidas, dementes, incontinentes, amnésicos, afásicos e indignos. No fundo, “velhos tolos que não tiveram a coragem de beber o último whisky e deitar fogo à cama com um último cigarro.”
Só Antígona escapou a ser velha, morrendo nova.
A certeza? Vamos todos morrer.
Mais vale gozar tudo o que pudermos, enquanto ainda navegarmos do passado para o presente sem interrupções, numa corrente de consciência que desenhe curvas e círculos sobre nos próprios.