Se as ingénuas tábuas de milagres mostram a arte popular, precursora (dir-se-ia) da pintura naïf, os painéis de azulejos, ao retratarem cenas do quotidiano, deixam transparecer uma versão erudita, nobre, quase sofisticada. Numa grande sala de estar ou nas paredes de um pórtico a dar para um jardim mostram, de certo modo, a vontade do Homem de se sentir em sociedade.
Uma tentação, portanto, quando o abandono sobrevém. Fácil é arrancar azulejo a azulejo.
Foi José Meco galardoado pelo presidente Marcelo, em Janeiro de 2023, com a comenda da Ordem de Mérito, o reconhecimento oficial de uma vida dedicada ao estudo e valorização do azulejo português. Depois de Santos Simões (1907-1972), tem sido José Meco um dos que mais vem pugnando para que à azulejaria se atribua o lugar que de direito lhe pertence, não apenas no âmbito da decoração arquitectónica (pública e privada), mas também como relevante fonte histórica.
No livro Azulejaria no Concelho de Oeiras, ao falar do Paço de Caxias, refere-se José Meco aos «silhares do salão nobre, de finais do século XVIII», que, em seu entender, «merecem especial destaque, pelos seus motivos de grinaldas, fitas, ornatos discretas, etc., os quais têm muitas semelhanças com os do Palacete de Pombal, em Lisboa», sendo mui provavelmente obra da fábrica lisboeta da Bica do Sapato.
O palácio real de Caxias
Sofrem os palácios as adversidades de sempre: morrem os senhores, os descendentes entram em colisão. Abolida a Realeza, também os senhores da República se viram com uma catrefada de meninos no colo, sem saberem bem o que deles haveriam de fazer. E foram-nos passando de mão em mão. Assim o Paço de Caxias, que foi carecendo de colo também ele.
O livro Quinta Real de Caxias – História – Conservação – Restauro, editado pela Câmara Municipal de Oeiras em 2009, dá conta do enorme trabalho que aí foi feito no âmbito da reabilitação dos jardins e da cascata, um projecto coordenado por Carlos Beloto, que soube rodear-se de mui competente equipa técnica. Atendendo, porém, a que o paço, que era do domínio público militar, deixar de ter função útil nesse enquadramento militar desde 1994, o Ministério de Defesa Nacional lançou, a 4 de agosto de 2022, um concurso público para a concessão da sua exploração «com vista à realização de obras, incluindo de infraestruturas, e posterior exploração para fins turísticos, como estabelecimento hoteleiro, estabelecimento de alojamento local, na modalidade de estabelecimento de hospedagem, ou outro projeto de vocação turística, nos termos da legislação em vigor».
Ganhou a concessão, com 50 anos de vigência, a empresa Vila Galé – Sociedade de Empreendimentos Turísticos, tendo o respectivo contrato sido assinado em 29.02.2024, prevendo-se, portanto, a utilização do imóvel como estabelecimento hoteleiro (cerca de 120 quartos), com início provável de exploração em 01/03/2026.
Espera-se, pois, que venha a ser recuperado «o grande encanto desta casa de verão da Família Real», que fora começada a construir em meados do século XVII, por iniciativa do Infante D. Francisco de Bragança (1691-1742), filho de D. Pedro II, para vir a ser concluída já no tempo de D. Pedro (1717-1786), futuro rei D. Pedro III.
«A proximidade do mar – à beira da estrada de Cascais, voltada para o Tejo, onde um areal se estendia até aos portões da quinta – o ar fresco e o “majestoso e variado panorama que dali se goza maravilhosamente” (frase colhida, pelos autores do atrás citado livro sobre a quinta, na edição de 26 de Setembro de 1897 do Semanário Illustrado) teriam facilmente atraído a família real a lá passar algumas tardes de Verão». Era, de resto, um paço nada majestoso, de linhas sóbrias e de pouco dispêndio, que servia, por isso, cabalmente o pretendido objectivo de mui sereno repouso estival.
As imagens que colhemos nas publicações sobre o Paço são deveras elucidativas acerca do estado de degradação a que se deixou chegar o edifício. Aliás, num dos textos oficiais escreve-se mesmo: «Dos elementos de revestimento interior do primeiro andar já pouco resta no local, uma vez que ocorreu a degradação e furto da maior parte deles (pinturas, revestimentos de parede e azulejos antigos)». Aliás, se bem se intui do exarado no decreto n.º 39 175 (Diário do Governo, 1.ª série, n.º 77 de 17 abril 1953), além dos jardins e das esculturas, a classificação como Imóvel de Interesse Público abrangia «duas salas com pintura».
Perguntar-se-á, porventura, a razão pela qual ora se está a escrever sobre o Paço quando o seu futuro parece estar marcado.
É simples: a investigação levada a efeito para os jardins e a cascata logrou também obter fotografias dos tais ‘azulejos antigos’. Isso constitui uma boa novidade!
Aí vai, por conseguinte, uma amostra de três painéis: como ficaram e como eram. Uma gentileza que devemos a Carlos Beloto: obrigado!
ANTES
DEPOIS
Assim, a minuciosa observação dessas fotografias permitirá, portanto, à concessionária, se assim o entender, reconstituir boa parte dessa decoração, o que, na verdade, não deixaria de ser mais um motivo de apreço por parte dos futuros utilizadores da unidade hoteleira a construir. Assim à concessionária assista clarividência para tal.
Eugenia Serafini
Caro José hai fatto veramente opera meritoria a descrivere la situazione di questo palazzo reale, così caratterizzato dall’uso decorativo di piastrelle dipinte nel magnifico bianco e azzurro e dalle quali si apprendono scene di vita, usi, costumi e ne risulta una gran de bellezza per chi può vederlo.
Purtroppo è vero: le cose più belle, di qualsiasi genere siano, attraggono l’attenzione dei malfattori, dei ladri e di chi senza nessuna spesa vuole decorare le sue proprietà. Fortunatamente il Palazzo reale ha una documentazione fotografica che permetterà la ricostruzione di molte scene grazie alla copia di qua to fotografato in precedenza.
Questo articolo mi fa pensare al libro del prof. Nicolò Giuseppe Brancato sulla importanza della fotografia come fonte di ricostruzione delle opere perdute o degradate.
A volte penso che la bellezza dovrebbe meritare l’eternità!
Ti abbraccio. Eugenia 💐
Pedro Marinho
Aconteceu o mesmo nas estações da linha do Arco. Foram roubando os azulejos como souvenirs. As estações “algumas” como a de Mondim de Basto ficaram com os painéis amputados, os poucos que sobraram ficaram com um aviso da PJ que estavam inventariados. Hoje felizmente encontram-se recuperados.
Maria Duran Kremer
Obrigada, caro Professor, por esta chamada pública de atenção para o nosso património, durante tanto tempo votado ao abandono e ao esquecimento. Teve “sorte” este palácio – caso a empresa que o adquiriu reponha a sua beleza!