O PODER DA VERDADE

No aeroporto de Berlim, fui direitinho à loja Lego do Terminal 1, que andava a namorar na internet, com o Nikola, há meses. Tirei esta foto do aviador que bem conhecemos das fotos na net, com a Ninucha na mão e entreguei-me à deliciosa tarefa de escolher o Lego certo para o Nikola que fazia 5 anos nesse dia.

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Com um belo carro do Batman num enorme sacão amarelo de papel, despachei uma deliciosa fatia de pizza pepperonni, que eram três da tarde e o magnífico pequeno-almoço em Gdynia já tinha 8 horas em cima.

Começámos então a caminhar para a porta A31, quando um SMS da TAP me fez gelar o sangue: “Voo cheio e todos os trolleys terão de ir no porão”.

“Filha da truta!!!!” pensei com os meus botões, sabendo perfeitamente que me esperavam 40 minutos de seca em Lisboa primeiro que pegasse na mala. Adicionemos a longa espera por um Uber, que não gostam muito de clientes que vão para o Areeiro, e vi o nosso jantar de aniversário do Nikola a esfumar-se no ar.

Entretanto comecei a estudar como dar a volta à questão, reparando nas duas filas que tínhamos à nossa frente:

À esquerda estava a fila Premium, com menos pessoas e um ariano corpulento, daqueles carecas e com óculinhos que parecem dizer “Ich bin lixado, mano!…”

À direita, um rapazinho novo, também de óculinhos e ar frágil, para além de ascendência indiana, o que me levou a ponderar qual dos dois seria mais sensível à minha demanda.

Entretanto o meu companheiro de viagem, Diogo, disse-me que poderia carregar o saco amarelíssimo da Lego, para não parecer que eu tinha muita coisa, já que a mochila (com o portátil) às costas e o trolley na mão faziam de mim um alvo fácil para os nazis das malas de porão.

Enquanto a fila avançava fui observando atentamente as reacções de cada um às muitas e fervorosas reclamações dos passageiros furiosos por terem de entregar a sua bagagem de mão às entranhas do porão da aeronave ‘Padre Américo’ (sim, eu reparo nestas coisas).

A escassos segundos da decisão, vi que o senhor corpulento da fila Premium ia ficar sem passageiros e decidi na hora “Diogo, dá-me aí o saco”, colocando o sacão amarelíssimo em cima do trolley, para lhe dar destaque. Tirei da carteira o meu cartão do cidadão e também o do Nikola, que anda sempre comigo.

Dirigi-me ao senhor e pedi-lhe, em tom humilde, “Boa tarde, tenho de lhe pedir um grande favor: o meu filho faz hoje 5 anos e, se eu tiver de apanhar esta mala em Lisboa, vou perder o jantar de aniversário dele.”

Ele olhou para o sacão e, sem hesitar, respondeu “No problem.”

Depois meti o telemóvel na maquineta que leu o QR code, enquanto ele olhava para os cartões de embarque. “Mas ele também vai viajar?” perguntou, com o cartão do Nikola na mão. “Não, não…” disse eu “…era só para ver que eu não estava a mentir” “Não é preciso, que eu acredito em si” respondeu ele.

Agradeci-lhe e, minutos depois, estava sentado no lugar 22B a escrever esta história no telemóvel.

Com o trolley estacionado por cima da cabeça.

Termino referindo que esta estratégia de procurar soluções envolvendo a completa e total verdade dos factos tem-me servido bem seguramente em 90% das vezes que a adopto. São raras as ocasiões em que tenho de recorrer a ardis rebuscados para solucionar uma bronca. E posso até avançar que, quando o faço, é porque estava a lidar com um(a) palerma desconhecedor do conceito ‘razoabilidade’ e, como tal, mereceu o facto de ser o alvo de uma verdade alternativa.

(texto adaptado da crónica originalmente publicada no LinkedIn de João Correia)

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