“O Problema Com Que Todos Vivemos”

“O Problema Com Que Todos Vivemos” é o título desta pintura de Norman Rockwell e retrata o calvário de uma menina de 6 anos, Ruby Bridges, a ir para a escola, diariamente, sob agressões racistas e maus tratos. Remonta a outra geografia e a outros tempos mas lembrei-me dela enquanto lia a perturbadora e revoltante notícia de uma criança nepalesa de 9 anos que foi "vítima de linchamento" numa escola de Lisboa. Porque este é um problema de todos, com que todos estamos a viver, e que nos convoca a todos.

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As escolas devem ser lugares onde as crianças são felizes, onde realizam o seu potencial e onde estão em segurança. Não são lugares onde vão para ser agredidas física e psicologicamente, vítimas de racismo e de xenofobia quer por adultos quer por outras crianças. Isto parece, e é, básico. Mas, então, pergunto, em primeiro lugar, como é possível que isto tenha acontecido, e em segundo, como é possível que a escola não tenha denunciado a situação às autoridades?

Não denunciar perpetua o ciclo de violência e discriminação e passa uma mensagem errada e perigosa para toda a comunidade educativa, a começar nas outras crianças, sobre a desvalorização e a tolerância a estes comportamentos. Pergunto como é possível que, no conjunto de toda a comunidade educativa ninguém foi capaz de denunciar esta agressão.

Como é possível que a resposta que a escola considerou adequada para lidar com uma agressão racista tenha sido transferir a criança-vítima para outra escola, mesmo que a pedido dos pais. E que sociedade é esta que estamos a construir quando a própria mãe da criança agredida teve medo de ir ao hospital e tratou dos ferimentos em casa?

Converso frequentemente sobre racismo e xenofobia com crianças e jovens em escolas. Uma das perguntas que faço é o que devemos fazer quando sofremos racismo ou sabemos da existência de uma situação de racismo? A expectativa é fazer uma sensibilização para a importância de falar com um adulto, seja um professor, um auxiliar, a família, a polícia, instituições. As respostas dos jovens são parecidas e facilmente desarmam-me quando se queixam que os adultos lhes dizem: “Não ligues”, “Ignora”, “Não dês importância”. Acontece com frequência, a desvalorização por parte dos adultos, mesmo aqueles com responsabilidades institucionais e que têm obrigação de saber que não se pode ignorar uma agressão racista e xenófoba e que as escolas devem ter canais de prevenção, de denúncia, de resposta e de combate.

Li esta notícia logo a sair de uma sala de aula e de uma escola multicultural de Lisboa, repleta de miúdos e miúdas nepalesas e de todo o mundo e onde, estou convicta, uma situação destas não ocorreria e se ocorresse teria uma resposta institucional muito diferente. Logo a seguir cruzei-me, por acaso, com o presidente da câmara e não fui capaz de não atravessar o passeio para lhe perguntar como se deve posicionar um município quando as suas escolas são palco desta violência…

O que leva à primeira questão, como é que isto aconteceu?

As escolas são espelho da sociedade e se a sociedade permite manifestações racistas, discursos de ódio e anti-imigração que culpam os mais vulneráveis, diabolização e desumanização de pessoas em razão da sua origem ou nacionalidade, ataques violentos no interior da casa das próprias pessoas imigrantes, associação entre criminalidade e imigração num congresso sobre “justiça amiga das crianças”, sem uma censura e repulsa inequívocas, o que esperar que as crianças e jovens façam perante os exemplos que os adultos lhes estão a dar?

Sim, este é um problema com que todos estamos a viver.

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