O jeito de se fazer em palma aquele sacão enorme que se punha sobre a albarda do animal – o burro, a mula… – assim a modos dos alforges.
Só que os alforges tinham um ar mais feminino, feitos (parecia-me) de retalhos coloridos, e serviam para lá pôr, dum lado e doutro da albarda, coisas delicadas, que a senhora comprara na feira. E sobre os alforges por serem de pano, podia a senhora sentar-se de lado, sem problemas de segurança.
A gorpelha, não. Ainda que obra de mãos femininas, claro, era objecto para ser manuseado por mãos calejadas. Lá se transportavam as alfarrobas. Menos as amêndoas que sempre me lembro de as ver em sacas, que amêndoa exige mais delicadeza de trato. Alfarroba, não. Tem casca rugosa, é comprida e ajeita-se bem na gorpelha. Também o feno. Acho que me lembro de se pôr feno na gorpelha. Feno e folharasca para a cama das bestas.
Grande invenção a gorpelha!
E, portanto, além de ter pedido ao Emanuel Sancho que, da sua preciosa colecção, me cedesse uma foto ilustrativa, fui investigar a origem do nome.
Dir-me-ão logo que é golpelha que se escreve e não gorpelha. Esclarecerei que há as duas formas. Golpelha é mais difícil de pronunciar, até porque duas sílabas seguidas com l (gol e pelh) a gente gosta logo de fazer a dissimilação e mete o r. Acrescentar-se-á que, do ponto de vista etimológico, da origem da palavra, gorpelha (com r) é que está correcto, porque deriva da palavra latina «corbicula», que se encontra registada na obra do agrónomo latino Paládio (livro 3, 10.6), com o significado – imagine-se! – de «cesto pequeno». De pequeno passou a grande no Algarve (as manigâncias que a língua traz!…); e o «b» passou a «p», que é mais fácil de pronunciar.
Anote-se: a, por vezes, indicada, origem da palavra a partir do latim «vulpicula», ‘raposa pequena’, não pode ser senão… anedota! Quanto a ser de esparto, não nego que possa ser; eu sempre a vi de empreita. Quanto a servir para transporte de fruta, amigos, vocês acham?





Ontem fiz várias tentativas para deixar aqui o meu comentário. De todas as vezes que ia submeter o texto, ficava sem Internet, de modo que achei melhor guardar para hoje.
A imagem é preciosa, quase daria para uma análise sociológica sobre as formas de vida de certo período de antanho nos algarves (alguma região em especial).
Como já tive ocasião de dizer não conhecia a golpelha, a única palavra que o corrector ortográfico não assinala como errada e o dicionário me diz que é uma alcofa grande, um seirão.
Olhando para a gorpelha da foto, diria que era um colchão pouco encorpado, e atribuía-lhe outra função.
Para transportar fruta, e atendendo às imagens vídeo (artefactos muito diferentes do que vemos na imagem) só transformados em duas sacolas simétricas ligadas por uma banda de tecido para que o dono/a do jumento pudesse instalar-se na viagem…
De qualquer modo, golpelha ou gorpelha, aprendi mais um regionalismo e suas utilidade.
De: Maria Jose Azevedo Santos
Enviada: 20 de julho de 2024 19:39
Muito interessante o que nos contas.
Num caderninho de despesas de 1474 onde foram apontados gastos com pescado e transporte respectivo para Santarém onde estava, então, o rei, há várias referências a golpellas que levam os salmonetes, os linguados ou as ostras. Nunca surge gorpelha.
Ver: Maria José Azevedo Santos, «O peixe e a fruta na alimentação da corte de D. Afonso V», in A Alimentação em Portugal na Idade Média .Fontes .Cultura e Sociedade, Coimbra,1997, p. 32.