Ângela trouxe mais um charão atestado com fálgaros da Tabosa, cavacas das recolhidas de Freixinho, bolos da Teixeira e um pão-de-ló – doçaria que perpetuava in saecula saeculorum a gulosa memória de três conventos vizinhos. (Aquilino Ribeiro in Via Sinuosa, 1918)
Permanece esquisita e estranha, a designação “fálgaros” dada a um manjar não doce, pese embora Aquilino, no texto citado, o mantenha como guloseima temperada com açúcar, memória gastronómica que resta como herança do Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção da Tabosa, aldeia filial do Carregal, a sua terra, mosteiro pobrezinho de rendas numa região que ainda hoje designamos Terras do Demo onde o açúcar chegou sempre como droga cara.
Merenda singela e gulosa das religiosas em dia festivo, não sabemos, perdidos no tempo os Livros da Cozinha e do Forno, oferta das monjas agradecendo mercê de benfeitor, desceu ao povoado como manjar de eleição partilhado nesses ágapes caseiros que tinham lugar no dia da festa de S. Brás, a 2 de Fevereiro. E após o passamento da última monja criadas antigas passaram para a mão de engenhosas freguesas o receituário aparentemente simples de uma iguaria cujas matérias-primas eram ao tempo a boa farinha do trigo tremês moída em moinhos de ribeira vizinha, o queijo fresco da ordenha das vacas de criação, os ovos caseiros de poedeiras de eleição, o azeite que então chegava em odres de almocreves, esse amassar demorado de quem parece ter todo o tempo do mundo e depois o acender do forno comunal e a pá da forneira colocando sobre resguardada prancha de Folha-de-Flandres os bolbos de massa tenra que o calor ajustado fazia crescer lentamente e dourar nesse tempo contado pela repetida experiência, que não pelo relógio.

Aviavam-se em cestos e seguiam à cabeça para as moradas familiares e aí eram partilha em festiva data, podiam seguir em dias de romaria para venda em terreiro de festa, seguiam, tantas vezes, como grata mercê, envoltos em panos de linho, para mesas de abade ou doutor ao jeito aldeão de pagamento de favor.

Ao jeito das mestras antigas continuam presentes nas moradas da aldeia e no leilão do Adro em dia da Festa de S. Brás, tornaram-se presença certa nas festivas comemorações do Município (Sernancelhe) que assim ajuda a permanecer essa gostosa memória das monjas de um Mosteiro de que não foi préstimo menor.
