ELES SÃO DOIDOS ESTES ROMANOS!

Seguramente para os apreciadores das aventuras de Asterix, uma das frases  que sempre se recorda é a exclamação de Obelix «Ils sons fous ces Romains!», «Estes Romanos estão doidos!».

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É lógico que nem sempre  os loucos se manifestam de forma excêntrica. Loucos foram, de facto, esses Romanos para erguerem quilómetros e quilómetros de sólidos e altos aquedutos, com pequeníssimo desnível na conduta, porque ainda se não havia descoberto o princípio dos vasos comunicantes, a genial intuição de Pascal, que leva, hoje, os técnicos camarários a prantarem os depósitos de água num ponto alto, a fim de que a água ganhe pressão nas torneiras. Mas ergueram-nos e, por exemplo, o Aqueduto das Águas Livres acabou por seguir o trajecto do aqueduto romano que, desde há dois milénios, já transportava água de um manancial em Caneças.

Portanto, doidos sim, mas não tanto!

Sepultar a pessoa num barril

E, à primeira vista, também parece doideira fazer um barril de pedra para sob ele se sepultar alguém, indicando, no entanto, numa inscrição, a identificação da pessoa que ali jaz para a eternidade.

Estranho, sem dúvida, e, por isso, várias têm sido as teorias a explicar tão estapafúrdio costume, documentado, por exemplo, no Sul da Lusitânia romana.

Houve quem visse aí a vontade de o defunto se inebriar dum precioso néctar, um vinho de boa casta para melhor passar o seu tempo eterno.

Poderá ser, contudo, algo mais simples: a vontade de o túmulo ser uma espécie de lugar abobadado em que mui serenamente se possa repousar. Não são em abobadilha as mais antigas e frescas casas alentejanas?

Uma surpresa achada em Serpa!

Não admira, pois, que os entendidos hajam percebido, de imediato, que aquele barril de mármore de Trigaches, ali perdido no meio da pedraria alguma surpresa haveria de guardar.

Um amontoado de calhaus e de lajes de xisto, junto a um caminho situado 350 metros a noroeste do monte da Herdade de Belmeque, freguesia de Vale de Vargo, do concelho alentejano de Serpa, amontoado resultante de despregas dos terrenos envolventes, a fim de melhor se fazer o seu aproveitamento agrícola.

barril romano no meio da pedraria

A identificação do monumento (afinal, era um monumento romano!) ocorreu a 21 de Setembro de 2023, por António Manuel Monge Soares e Miguel Serra (da Divisão de Cultura e Património da Câmara), durante a visita que estavam a fazer a um sítio arqueológico próximo, na companhia do proprietário, Manuel Soares Monge, que imediatamente acedeu a permitir a recolha para o Museu Municipal de Arqueologia de Serpa, o que viria a acontecer, ao cuidado dos serviços camarários, em Novembro de 2023, porque inclusive o proprietário fez logo questão de doar a peça ao Museu.

Um barril? Sim, o que os Romanos – e, agora, os arqueólogos, em jeito erudito – designam por cupa, que significa ‘pipa’ em latim. Uma cupa, portanto, para identificar a sepultura de alguém.

A pedra fora reaproveitada – estava mesmo a jeito! – como peso de lagar; daí as cavidades feitas numa das faces, onde (azar nosso!) estava uma decoração vegetalista em relevo (seria a árvore da vida, a simbolizar a eternidade?).

Felizmente, porém, o quadro em que foi exarada a identificação do defunto ficou praticamente intacto. Desta sorte, ficamos a saber que sob o barril jazeram as cinzas ou o corpo de um jovem chamado Fausto, que falecera com apenas 25 anos de vida.

A peça foi sujeita a trabalhos de limpeza, registo e estudo, num trabalho em articulação de diversos serviços da autarquia, encontrando-se em exposição na Alcáçova do Castelo de Serpa.  

O estudo epigráfico do monumento – que mede 46 cm de altura, 1 m de comprimento e 57 de largura – irá ser publicado na revista Ficheiro Epigráfico, editada pelo Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra.  

(co-autoria: Miguel Serra)

                                                          

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