No âmbito da história da vida consagrada designou-se por “Recolhimento” o espaço de matriz conventual onde se acolhiam mulheres (Recolhidas) que faziam profissão de fé ao jeito de “freiras” que não eram e “Educandas” a quem se ministravam lições de leitura, escrita e aritmética e as normas para a correcta administração de uma casa de família. A história do Recolhimento em causa conta-se em livro recentemente editado pela Câmara Municipal de Sernancelhe.

O licenciado (Universidade de Coimbra), João de Gouveia Coutinho (1640 ?-1704), natural de Freixinho, à época pertencente à vila de Fonte Arcada, posteriormente integrado no município de Sernancelhe, exerceu seu mester como “Reitor” nas paróquias de Alfaiates (Sabugal), Freixinho e Fonte Arcada vindo a falecer em Freixinho onde foi sepultado no chão da igreja do Recolhimento por si fundado ao redor da icónica data de 1704 inscrita no lintel do pórtico principal que dá acesso directo à Casa das Grades e à área vestibular que precede a igreja da invocação de Nossa Senhora do Carmo, patrona da carmelitana Ordem fundada por Santa Teresa de Jesus.
Esta casa religiosa que ao longo de quase três séculos acolheu várias gerações de mulheres cujas vidas se ordenavam por ditames de trabalho e piedade definidos nos pormenorizados capítulos dos Estatutos que não conhecemos, mercê da designada “Lei de Hintze” (18 de Abril de 1901) foi obrigada a transfigurar-se em “Associação Religiosa de Ensino e Beneficência”, missão que cumprirá até ser extinta graças ao Decreto de 8 de Outubro de 1910 emanado do Governo da instaurada I República.
Arrolados os bens móveis e imóveis desse espaço ordenado ao redor de um austero claustro com uma igreja em cujos altares se venerava Nossa Senhora do Carmo e outras figuras tutelares da Ordem Carmelita e uma área de recreio e cultivo (a Cerca) que circuitava o espaço construído por Norte e Nascente, foram estes reclamados em justiça por membros vários de uma família distinta originária do lugar, tendo-lhes sido entregues em finais de 1918, após longa demanda que obrigou à alienação de um terço dos bens havidos.
O espaço de matriz conventual passou a ser habitado por membros da família herdeira mas entrou rapidamente num ruinoso processo de degradação a que se não acudiu atempadamente, desgastada que foi, em parte, a riqueza fundiária e desbaratado o recheio da igreja com seus altares e as alfaias de culto, algumas de prata. E por alguns anos se conservou esta fantasmagórica ruina até que, ao abrir do III Milénio, um devotado membro da família pôde inaugurar, no espaço reabilitado pela competência de arquitecto convidado, a renovada arquitectura do antigo cenóbio que se transfigura num acolhedor Hotel Rural com a denominação de Hotel Rural Convento de Nossa Senhora do Carmo onde a traça mantida no geral evoca a velha construção permitindo uma leitura poética da obra de pedraria e onde a solene e tranquila atmosfera lembrará os graves silêncios das antigas Recolhidas.

Autor destas linhas pude obter junto de membros da família herdeira, não a já perdida documentação original, mas preciosos testemunhos escritos acerca da entrada e permanência de diversos membros dessas família ali acolhidos como Recolhidas ou Educandas, fortuna havida que, revisitando Arquivos se pôde ampliar, alentando assim a construção de ampla monografia recentemente apresentada ao público no evocador antigo Claustro sob o alto patrocínio do Município de Sernancelhe e a generosa partilha do convidativo Hotel Rural.
