Os gritos irritados que ouvia ao telefone quase me assustaram. Recente na redação do DN, estávamos no início dos anos 80 do século passado, eu dava toda a razão àquele indignado catedrático, já que na página de Necrologia, como publicidade paga e em jeito de graçola, os seus alunos tinham mandado publicar, com fotografia, o seu anúncio fúnebre. Alegava, fora de si, que estava bem vivo, como confirmava aquela conversa. Mesmo esclarecendo que a publicidade não era da responsabilidade dos jornalistas, a vozearia continuava tão alta que se ouvia ao redor da minha secretária.
O meu Chefe (eu estava na que, então, se chamava Secção de Informação Geral), intrigado com tal barulheira, perguntou-me o que se passava. Pousei o telefone e resumi a situação. Sempre irónico, como era seu timbre, retorquiu: “Se o Diário de Notícias (que é uma instituição) diz que morreu, está morto. Nem que se suicide!” – sabendo que uma chalaça destas, proferida na redação, jamais chegaria às páginas do jornal.
Quando levantei o auscultador para dar a explicação, tudo tinha mudado. O leitor ria à gargalhada, pois tinha ouvido a afirmação do editor. “Não me vou suicidar, obviamente. Mas está certo! Se o Diário de Notícias disse, está dito.” E, percebendo que qualquer desmentido apenas iria reforçar a posição dos seus iconoclastas alunos, desistiu da queixa.
O DN era, assim, uma instituição de referência e de respeitabilidade. Mais de 40 anos depois da chalaça do meu Chefe, ao ver tudo o que se passa com o Global Media Group, interrogo-me sobre o que fizeram à Comunicação Social? E fico com dores na alma. Muitas dores…
Mudaram os tempos, os proprietários, a concorrência, os diretores, as tendências, os grafismos, os jornalistas, os leitores. Mas nada pode justificar o processo em curso, por parte de uns administradores sem categoria nem vergonha, de destruir este património do DN (159 anos) e dos centenários Jornal de Notícias e Açoriano Oriental, dos mais recentes O Jogo e TSF.
Todos os dias alguns dos nossos camaradas escrevem no seu Facebook ‘Hoje é dia 56 (amanhã será 57 e assim sucessivamente) de Dezembro para a maioria dos trabalhadores da GMG’, numa alusão aos ordenados em atraso e aos subsídios de Natal que não foram pagos. Dir-me-ão que há bastantes trabalhadores de outros sectores na mesma situação. É verdade. Mas não é menos verdade que se os primeiros não trabalharem e receberem salários, dos segundo nunca se saberá nada.
Neste momento, além de toda a solidariedade que me merecem os trabalhadores das publicações agora reunidas na Global Media Group (alguns, como referi, sem receberem salários há dois meses!), importa saber que medidas urgentes e eficazes estão a ser tomadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, pela Autoridade para as Condições do Trabalho, pela Procuradoria Geral da República perante o que talvez seja o maior ataque à viabilidade e credibilidade da Comunicação Social nos últimos 50 anos, o que significa o maior ataque social à Democracia desde o 25 de Abril.
E apelar ao cidadão comum, em prol da Democracia e do pluralismo, que comprem jornais. Acreditem que fake news na Imprensa, hoje como no passado, são apenas do género daquele anúncio necrológico.