Decorrente deste ensaio, o conceito mais popularizado, mesmo por não leitores de McLuhan, é o de Aldeia Global. Com efeito, estes meios de comunicação, ao mostrarem o mundo das muitas latitudes e longitudes, davam a impressão de que este estava cada vez mais pequeno, de que vivíamos afinal em relações de vizinhança. Também eu interiorizei esta conceção e seguramente a repeti.
E contudo, esta ideia entrava em choque com a perceção de mundo grande, lugares distantes e estranhos, que desenvolvi quando comecei a viajar.
Por mais “familiares” que me parecessem, lugares que “conhecia” das imagens televisivas, eu mantinha a noção do distante, do tempo que demorava a chegar, cruzando o céu a uma velocidade quase impercetível. Entretanto, os modelos socioeconómicos também iam tornando mais iguais as cidades, a ocidente e a oriente: a mesma arquitetura, os mesmos meios de transporte, os mesmos anúncios, as marcas, o vestuário, os restaurantes de fast food, a uniformidade da aparência, polvilhado aqui e ali por vestígios de outros tempos, de gentes e culturas diferentes.
Ser turista é uma condição cheia de contradições! Procuramos em todo lado as nossas zonas de conforto, mas também o genuinamente diferente, o exótico…
A Internet e tudo o que esta tornou possível em termos comunicacionais, suscitam-me também perguntas e respostas contraditórias. A galáxia de McLuhan pode parecer cada vez mais uma aldeia, mas a proximidade, a vizinhança, a amizade, e muito do que era genuinamente humano, torna-se cada vez mais artificial. Por outro lado, e apesar da transformação dos media tradicionais, impressos e audiovisuais, estes mantêm, na sua dimensão informativa, uma visão de proximidade artificial, construída pelos critérios de noticiabilidade.
Tudo nos indica que o critério audiências domina a agenda mediática. Mas como se define essa agenda? Dar ao público o que o público quer versus o público só pode querer o que lhe dermos, eis a história interminável desta polémica das audiências.
Maio de 2023 foi um mês prodigioso para a agenda mediática portuguesa
Começou com a peregrinação anual a Fátima, a comoção da fé dos milhares de pessoas, dramatizada na procissão das velas e nos lenços brancos a acenar em “oh Fátima, Adeus!”
Tivemos o caso Galamba, que era para ser sobre a TAP, mas que se foi tornando “O caso do computador do quarto andar” e daí passou para um diálogo monótono de perguntas sem resposta, sobre quem disse, o que disse, em que dia e a que horas, espremendo até já não haver mais sumo, no “caso das secretas”!
É um prodígio de duração em agenda, embora seja muito provável que já poucos estejam interessados em saber, exceção feita para os comentadores, que esperam ansiosamente que alguma resposta surja, para não repetirem diariamente os mesmos comentários, que, sejamos honestos, pouco ou nada acrescentam. São quase sempre redundantes. Mas é suposto servirem para nos ajudar a compreender melhor as notícias, como se as imagens e a fala dos jornalistas fossem linguagens obscuras. Ah! Dão credibilidade. O seu lugar de enunciação, de especialistas, credibiliza os factos. Há quem precise disso para ter opinião. As direções de informação sabem bem quanto valem os comentadores. Por isso os disputam e lhes pagam melhor do que à maioria dos jornalistas. No caso em apreço, estes atropelam-se e repetem as perguntas, cada vez mais desesperados por continuarem a não ter notícia. Já se contentavam com um sim ou um não, senhor Secretário de Estado, senhor Ministro, senhor Presidente.
Por ordem sabe-se lá de quem, voltou a ser não notícia o caso Maddie, o fenómeno mediático em duas décadas do século XXI.
Montou-se o arraial na albufeira da barragem do Arade, a 50 km da Praia da Luz, com tendas, dispositivo policial internacional, (polícia portuguesa, alemã e inglesa) cães pisteiros, pás e picaretas para procurar não sabíamos o quê e vários dias e serviços noticiosos depois, continuávamos a não saber.
É impressionante como o desaparecimento de uma criança de 4 anos, já lá vão 16, tenha tal capacidade de ressurreição ao longo de todos estes anos! Incompreensível o poder daqueles pais que moveram montanhas, quase chegaram a Deus (afinal foram ao Papa que é Deus na terra!) e comoveram o mundo.
Procuram a filha? É a dor da perda? Mas não têm sequer um remorso por terem deixado 3 crianças sozinhas à noite, com 2 e 4 anos? Ou será a sua expiação? Quem são estes pais? Por muito menos, na zelosa Inglaterra, já terão as instituições tirado muitos filhos aos pais!
Nestes 16 anos, quantas crianças desapareceram no Mundo? Quantas foram violentadas? Quantas morreram de fome? Milhares, de quem só os parentes próximos se lembrarão. A maioria dos vizinhos da aldeia global, não chegou sequer a saber que desapareceram.
A chegar ao fim, a agenda mediática do mês ainda nos presenteou com muitas horas de onda vermelha. No estádio, no Marquês, na Câmara Municipal e na Praça do Município de Lisboa, por todo o país e mesmo lá fora, a festa Benfica aproximou-se da insanidade.
Quis saber em que radica este fanatismo clubista, ou melhor, esta clubite. Fui ignorada, insultada, amigos zangaram-se comigo por não compreender o que é a paixão, por supostamente tê-los ofendido, chamando tribalismo à euforia da multidão, a roçar a insanidade.
Retirei-me para o meu canto, recordei “A tribo do futebol”, de Desmond Morris, a “Psicologia das massas” de Gustave le Bon, a “Psicologia de massas do fascismo” de Wilhelm Reich e fiquei na minha, que é também a deles: impulsividade, pobreza de razão, irracionalidade das massas em conjunto, estado de hipnose do inconsciente coletivo (…).
Os media apenas amplificam estes estados.
E entre “casos e casinhos”, as não notícias sobre a Maddie e a euforia benfiquista, fomos sabendo que a guerra Rússia /Ucrânia continua, contamos os mortos pelos dedos, percebemos o que são drones, sob orientação sempre zelosa dos comentadores da nossa praça. Fecham maternidades, faltam médicos no SNS, sobem os lucros dos bancos para valores obscenos, das empresas de comunicação e energia, grupos distribuidores/ hipermercados idem, milhões de portugueses vivem de dádivas alimentares, sobem as prestações da casa, os preços de tudo… Mas quem se importa.?! Nada desta causa indignação às massas, ainda que as bravas combatentes da esquerda bloquista não se cansem de denunciar. A política há muito que se tornou mais um entretenimento.
Não há causa política ou social capaz da mobilização de massas dum Benfica!
Afinal sempre houve ricos e pobres, como diria a minha prima Cremilde, do alto da sua sabedoria!
Não há mortos das guerras, das cheias, dos furacões, dos terramotos, de fome, capazes de nos arrancar uma lágrima tão sentida, como a dor daqueles pais que há 16 anos perderam a filha de 4, num instantinho, enquanto saíram para jantar com os amigos ali mesmo ao lado.
Fazemos zapping e é mais do mesmo, desistimos do grande ecrã e voltamo-nos para o minúsculo ecrã do telemóvel, procuramos, no mundo dos blogues, versões alternativas à narrativa única que as notícias diárias da TV nos impingem. Adormecemos cansados, anestesiados com tanto entretenimento.
Ou voltamos ao mundinho das nossas redes, a transbordar de narcisismo, dos nossos melhores ângulos, de como éramos há muitos anos, das fotos dos filhos, dos netos, dos amigos, das viagens de sonho, dos emojis, dos memes e dos textos pré feitos da famigerada IA (Inteligência Artificial): “que giro! que fofo! Linda! Parabéns! Adorável!…”. É esta agora a galáxia de McLuhan!
Que bem escreves e analisas tudo o que te cerca, Alice. Para ti a minha vénia e a minha reverência perante tamanho talento, tamanha lucidez, tamanha capacidade de comunicação. És muito mais que jornalista, és uma escritora de eleição! Cada vez te admiro mais! Continua, para um livro de crónicas!!!!!