O MISTÉRIO DA PEDRA QUEBRADA

Mais de dois mil anos depois, uma hipótese de solução.

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Ele bem ordenara: quero o meu nome sempre bem à vista, por todo o meu Império, em tudo quanto seja obra de monta, pois nada pode ser feito sem o meu beneplácito, directo ou alcançado por intermédio dos meus fiéis mandatários!

O nome e os meus títulos. Que sou imperador, porque subi ao trono pela força das armas; sou César, porque foi Júlio César o meu pai adoptivo e eu lhe sucedi; sou augusto, porque os deuses assim me quiseram: que viesse para aumentar a felicidade de todos e afastar de vez a angústia que a muitos acabrunhava! Por isso, aliás, sou Pai da Pátria e Sumo Pontífice, interlocutor privilegiado entre os homens e as divindades!…

Mas neste caso, Senhor, vosso nome, além de cortado a metade por quem já de vós nada sabia nem queria saber, vosso nome aguentou camadas de argamassa por cima!

– Que palavras estão aqui, Amigos? Será bruxaria? O melhor é mesmo escondermos tudo isso bem escondido, que esta pedra assim acaba por estar mesmo a calhar aqui!

E, na tarde desse dia, os operários assim fizeram. Há séculos, decerto!

Outro dia, houve, no entanto, em que outros homens decidiram recuperar a torre antiga, renovar-lhe o aspecto. Deram em descascar as camadas e eis senão quando o nome do imperador surgiu! Esse mesmo: o de Augusto, o primeiro imperador romano!

Que teria ele mandado fazer em Viseu para aí termos uma pedra com o seu nome? Ou será que se trata apenas a menção cronológica de um evento qualquer ocorrido «no tempo em que era imperador César Augusto»? Ou quiseram as gentes de Viseu levantar monumento em sua honra, reconhecidas por benesse vinda da Roma longínqua?

Truncaram-te o nome, Augusto! Partiram a inscrição em que tudo isso viria, supostamente gravado para todo o sempre! Ficámos, pois, sem resposta!…

A não ser que, num outro dia, num dos edifícios por perto, se nos depare o que ora falta!

E todos ficaremos mais contentes!

Um dia, porém, houve uns senhores que ousaram tentar adivinhar o resto do escrito. Pelo menos uma boa parte. A proposta de leitura é a seguinte:

IMP(erator) · CAESA[R  AVG(ustus) · PONT(ifex)] / MAX(imus) · TRIB(unicia) · PO[TEST(ate)] [XXIIIX?] (septima vigesima) / CO(n)[S](ul) · XIII (terdecies) · PA[TER · PATRIAE] / [TERMINVS ∙ AVGVSTALIS] / 5 [INTER … ET …]

O imperador César Augusto, pontífice máximo, no poder tribunício 27º (?), cônsul treze vezes, Pai da Pátria. Término augustal entre… e …

Temos, portanto, um documento da maior importância para a história da cidade de Viseu.

O estudo epigráfico da pedra foi feito por mim, em colaboração com Ricardo Gaidão e Adelaide Pinto, na revista Ficheiro Epigráfico, de Coimbra, publicada no passado mês de Março, no quadro do acompanhamento dos trabalhos realizados pela empresa Inloco, Arqueologia, sob coordenação de Adelaide Pinto e Ricardo Gaidão, no âmbito das obras de reabilitação da Sé de Viseu, promovidas pela Direção Regional de Cultura do Centro, identificou-se, em Outubro de 2022, parte de uma inscrição romana, reaproveitada no cunhal de uma das torres que integra o complexo, conhecida na toponímia local como torre do “Aljube”, devido à função que desempenhou durante vários séculos.

Atendendo à sua importância, de imediato consciencializada, procedeu-se à desobstrução da totalidade do fragmento, de modo a poder ser feito o seu estudo. O edifício é propriedade da Diocese de Viseu e as obras visam converter o imóvel numa área de exposições temporárias. O dono de obra, representado pela Dra. Fátima Eusébio (responsável do Museu da Sé), foi o primeiro a incentivar a desobstrução da epígrafe, no âmbito do processo de valorização do edifício. E é provável que a peça fique in situ, sendo limpa e colocada em evidência através de iluminação apropriada.

Partes deste artigo foram publicadas antes em Renascimento (Mangualde), nº 843, 01-05-2023, p. 10 e no blog Notas & Comentários

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