Um texto delicioso

De manhã, ao pequeno almoço, enquanto mordisco uma torrada e bebo a meia de leite, tenho o velho hábito de ler jornais. Vícios antigos, de infância. Sem estar imune às redes sociais, que frequento com algumas precauções, deparo-me muitas vezes com textos deliciosos.

0
985

Vem isto a propósito de um, escrito por Helena Ventura Pereira, UM SANTO POR DIAcom o qual me identifico, como se de alguma forma encarnasse no seu espírito. Ela leva-me a um lugar que pareço conhecer. 

São várias as vezes em que sonho acordado. Uma espécie de meditação. Isto depois de ler um romance histórico ou ver um filme alusivo a uma época remota, mesmo que ficcional, sendo levado pela minha imaginação para uma outra vida que não esta. Quantas vezes me abstraio do meu dia a dia, e me coloco a viver nesses tempos, perdido no meio daquela multidão, meio atarantado e desnorteado, olhando aqueles rostos encobertos, a maioria deles indigentes, analfabetos, vendedores ambulantes, gente sem meios de subsistência, sem cuidados sanitários e de higiene, nascendo, crescendo, vivendo e morrendo na sombra da civilização, como se não passassem de meros adereços na paisagem.

Diz o poeta que dos fracos não reza a História, numa clara alusão aos valorosos homens e mulheres que construíram o império, esquecendo-se que muitos deles nem rosto tinham. De qualquer forma podemos sempre anuir que o verso é bem mais transversal e intemporal do que nos possa parecer, uma vez que essas sociedades estão cheias de heróis sem nome, cujo martírio é não saírem da miséria, apesar de trabalharem com afinco e cuidarem da família. 

Quanto aos Santos Mártires referidos por Helena Ventura Pereira estamos num patamar idêntico. Há uma enormidade deles, anónimos, cujas identidades não constam dos livros sagrados e dos sermões paroquiais. Dou como exemplo, os Cátaros, em França, na idade média. Muitos deles não sabiam bem porque morriam, mas recusavam-se a abandonar a sua fé. 

Na base das colunas que integram a frontaria  da Catedral de São Dômnio, em Split, na Croácia, estão esculpidas na pedra, pequenos corpos humanos, com várias formas, parecendo suportar a estrutura do imponente edifício, cujo significado parece ser sugestivo. Os alicerces. Foi sobre eles, crentes anónimos, gente sem identidade conhecida, que se construiu a Igreja, como instituição. Como estes, não faltarão listas de mártires, nunca redigidas, em todas as épocas e por toda a parte. Só não lhes conhecemos os rostos

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui