No tempo da troika, algures em 2014, um casal de professores e dois filhos viveram debaixo de uma ponte durante uns meses. As prestações elevadas impediram-nos de manter a habitação. Quando por lá passei, até os móveis estavam ali. E viviam como se ali houvesse um tecto. Mantenho a minha imensa admiração por aqueles pais que conseguiam dar um ar de alguma normalidade a uma situação absolutamente anormal.
Também nessa altura, os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres. Uma classe média que se foi desvanecendo e à qual foi muito difícil recuperar algum poder de compra.
Leio um relatório da Pordata, divulgado no dia 17, Dia Internacional Para a Erradicação da Pobreza, que refere que em 2020, e pela primeira vez em seis anos, Portugal registou um aumento no número de pessoas em risco de pobreza, apesar dos apoios sociais. Muitas destas pessoas, como o casal de professores que referi, tem filhos.
Claro que se fala na pandemia e nos dois anos passados em confinamentos: o número de pessoas em risco de pobreza ou de exclusão social aumentou 12,5% em 2020 comparativamente a 2019. E acrescenta-se que o Covid-19 teve um forte impacto no rendimento dos portugueses, com mais famílias no escalão mínimo de IRS.
Agora veio a guerra e a consequente crise económica que obrigam muitas instituições a recorrerem mais ao Banco Alimentar para ajudar mais famílias carenciadas. Acresce a isto que muitas destas instituições, que recebiam donativos directos de grandes empresas, viram-nos cortados porque os gastos destas aumentaram exponencialmente. Um gestor de topo de uma grande multinacional dizia-me recentemente que os gastos só em transportes aumentaram mais de seis milhões de euros.
Os donativos particulares também diminuíram acentuadamente. Tradicionalmente eram feitos por uma classe média alta, que já desceu para média e que, a continuar tudo como está, em breve enfrentará o limiar da pobreza.
Mas basta olhar para as revistas cor-de-rosa ou alguns programas de televisão para se perceber o quão mais ricos estão os ricos e que o fosso já é de uma classe no limiar da pobreza, ou mesmo pobre, para uma classe alta à qual nada faltará.
De entre estes há, todavia, o que sofrem de uma outra ‘pobreza’. Prevista para hoje e felizmente cancelada, por indigna, foi uma ideia da vereadora independente, eleita pela Coligação Novos Tempos (PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança), Laurinda Alves – a tal que não queria levar pessoas sem-abrigo ao festival Rock In Rio, para não sofrerem tentações (!). Pois queria a vereadora fazer uma marcha e um piquenique destinados às ‘pessoas de maior vulnerabilidade social’.
Claro que todos lhe caíram em cima e o coro de críticas foi de tal ordem que o ‘evento’ foi cancelado. A maioria dos presidentes das juntas defendeu que ‘essas pessoas devem ser protegidas e não expostas’.
E, no âmbito desta ‘pobreza’, surge a notícia mais pobre: A organização da marcha anunciou que Marcelo Rebelo de Sousa também iria marchar ‘pelas 15h00, depois do almoço, para dar o ponto de partida’. Só não entendi se, se a marcha se tivesse realizado, o Presidente almoçaria em Belém com a vereadora ou iam almoçar com os pobrezinhos.