Os sofás e cadeirões do João

Inconfidências de uma amiga que sabe que jamais a sua identidade será aqui revelada. O anonimato das fontes é um dos pilares... da amizade. Qualquer semelhança entre a fição e a realidade não é mera coincidência.

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O tempo passa sem darmos por ele. E de repente, percebemos que há gente amiga com quem não falamos há demasiado tempo. É o caso da minha amiga rica, que por acaso não deve ser assim tão rica porque vive na casa do lado e o nosso bairro é de gente remediada, digamos assim. Todos nós já vivemos dias melhores. Mas enfim…

Em vez de lhe telefonar, pus a máscara e fui bater-lhe à porta. Fizemos uma festa! Em vez de beijos e abraços, uns murrinhos idiotas e umas cotoveladas amaricadas, mas são sinais dos tempos.

E sentámo-nos. Desde abril ou maio que não falavamos. Primeiro foi o covid dela. Coitada, teve de ficar em isolamento em casa de um amigo, na Quinta Patiño, ali para Cascais.

– Um casarão, otimo para nos isolarmos. Piscina, barbecue, 12 quartos. Está a ver, até me perdia por ali. Tinha de perguntar aos criados a direção do meu quarto.

De quem é uma casa assim?, perguntei-lhe roído de inveja. “Do João”, respondeu-me. Mas qual João? “Do Rendeiro”, esclareceu-me. Ah! O tal que sacou não sei quantos milhões aos clientes do banco que geria… tenho lido notícias sobre o finório.

– É um querido, sabe? Uns mãos largas. E pede muito pouco em troca…

Bom, com a idade que tem, talvez já não valha a pena ser muito exigente, pensei eu, baseando-me na minha própria experiência de vida. Mas fiquei interessado naquele relacionamento da minha vizinha com um dos mais notórios fugitivos à Justiça portuguesa. Quanto valeria uma casa na Quinta Patiño?

– Oh, filho! Para cima de 20 milhões, garantidamente.

A minha amiga sempre foi boa avaliadora. E a surpresa não ficou por aqui. Não tinha reparado, mas ela chamou-me a atenção para algum mobiliário novo que tinha na sala. Por exemplo, eu tinha-me sentado num sofá Le Corbusier, ela estava num cadeirão lindíssimo desenhado por Charles Eames. Na sala, as cadeiras à volta da mesa são, agora, Mies van der Rohe… explicou-me.

Tudo super modernaço, design vanguardista, carérrimo, disse ela. Espólio que o João lhe pediu para guardar enquanto estivesse fora, não vá o Diabo tecê-las e a polícia entrar por ali e arrebanhar estas peças exclusivas a favor do Estado. Seria um desperdício, tive de concordar.

Quando voltará o João a casa? “Não sei… talvez nunca mais”, respondeu-me inigmaticamente.

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