“Impunha-se uma renovação, aliás, impõe-se uma renovação às três bibliotecas. Por algum lado, tínhamos de começar”, revela Gaspar Matos, que lembrou ainda que o projecto começou a ser desenhado em 2019. “Primeiro numa formação e interacção com o apoio da Novabase num processo que eles chamam de design thinking, em que colocamos no papel ou verbalizamos tudo o que existe mas depois também colocamos em causa”, no sentido em que o que se dá como certo também pode ser questionado. A equipa chamada a essa tarefa foi constituída por antigos funcionários, trabalhadores da Câmara e mesmo utilizadores convidados. Mais tarde foi feito o que se pode chamar de trabalho de campo: “Essa formação também tinha uma componente externa em que vínhamos às bibliotecas fazer entrevistas aos utilizadores no espaço, perguntando-lhes o que lhes agradava e desagradava”, explicou Gaspar Matos.
Para o responsável, “o paradigma actual das bibliotecas é de olhar para estes espaços como sendo de socialização e de interacção entre a comunidade. E isso quebra um pouco aquela ideia que nós temos da biblioteca mais conservadora e silenciosa… essa apropriação por parte dos utilizadores divide-se em duas partes. Se metade das pessoas quer de facto um espaço altamente informal onde se pode falar um pouco mais alto, onde há uma relação inter-geracional dos mais novos com os mais velhos, os estudantes entre si, há de facto outra parte dos utilizadores que estimam muito essa característica de silêncio e essa característica do estudo e do trabalho também”, considera. E unir essas duas visões foi um dos objectivos deste processo, defende. Dá mesmo o exemplo das bibliotecas escandinavas que visitaram no processo de formação, que conciliam ambas as visões do que deve ser uma biblioteca: “independentemente de uma grande informalidade nos espaços, há sempre espaços que mantêm algumas características da biblioteca tradicional, porque as pessoas estimam essa mais valia que é o silêncio, como potenciador do estudo e do trabalho. E isso para nós foi curioso, porque tínhamos uma ideia de que as bibliotecas do norte da Europa estavam com um paradigma diferente, de informalidade em todo o lado. Existe de facto essa informalidade, mas existe a preservação dos espaços de estudo e de investigação e de trabalho”. Um exemplo são as salas, construídas de raiz nas bibliotecas desses países, onde por exemplo se realizam reuniões de condomínio ou de associações locais.
Decidiram por em prática a visão de que a biblioteca é mais do que um depósito de livros. “Nós pegámos na colecção, nos livros, tiramos uma boa parte deles que estão no depósito, ou seja, estão na Bibilioteca de Oeiras mas nas caves; estão assessíveis através da internet (a pessoa pode ir à Internet, ao catálogo, e pede o livro) mas aqui tentamos que a colecção estivesse o mais actualizada possível mas com menos escolha”. “Para termos estes sofás, estas mesas, e a pessoa pode estar a estudar, a ler ou até a conversar. Isso foi um factor muito importante”, frisa.
Gaspar Matos recordou ao Duas Linhas um chavão francófono dos anos de 1980: a biblioteca enquanto sala de estar da comunidade. Fez ainda um paralelismo com o gosto que cada pessoa tem, ocasionalmente, de actualizar a decoração das várias divisões de casa, para explicar a necessidade de renovar a decoração e as funcionalidades que são mais contemporâneas na Biblioteca de Algés.
O segundo confinamento, ocorrido em Janeiro deste ano, levou a uma nova abordagem na biblioteca: o funcionamento ao postigo. “E isso é um sinal muito positivo de que a cultura e a informação interessam, que a saúde mental também interessa. Há uma frase muito bonita de Federico Garcia Lorca que diz que, se um dia fosse preso, e estivesse com fome, não pedia um pão. Pedia meio pão e um livro”, frisa Gaspar Matos, para quem o facto das pessoas, ao fazerem os seus passeios higiénicos, poderem ir requisitar um livro à biblioteca é uma mais valia que não interferiu com as questões de saúde pública.
Sobre a nova era digital, “há males que vêm por bem. É óbvio que preferíamos que este mal não tivesse existido, mas houve serviços e dinâmicas que se calhar só se iriam materializar daqui a quatro ou cinco anos com calma… a determinada altura tudo é posto em causa”.
Luís Gonçalves, coordenador da biblioteca algesina, recorda a reabertura e descreve a receptividade das pessoas como “muito boa” porque “gostam daquilo que vêem”, mas garante que procuram sempre saber o que os utilizadores gostam ou não gostam e vão adaptando a biblioteca, num edifício histórico que já foi um casino e uma escola, entre outras utilizações.
Gaspar Matos assinala também que a Biblioteca de Algés foi uma das primeiras do País a ter o selo Safe and Clean, devido à aposta muito reforçada na limpeza e higienização dos espaços.
Mais bibliotecas em Oeiras
Gaspar Matos defende ser “uma necessidade” o alargamento da rede de bibliotecas públicas em Oeiras: “existe uma projecção para uma biblioteca em Linda-a-Velha, na medida em temos uma densidade populacional muito grande neste eixo Algés-Linda-a-Velha-Carnaxide”. Deseja ainda “uma bilbioteca em Queijas, [freguesia] que já terá com certeza mais do que dez mil habitantes, outra em Queluz de Baixo, e outra em Porto Salvo”. “Se a biblioteca é a tal sala de estar da comunidade, tem de estar próxima, e nós neste momento temos no concelho Oeiras e Algés junto ao rio, e depois aquele núcleo urbano bastante grande que é Carnaxide”.
Outro projecto para o futuro é uma biblioteca móvel, à semelhança das que a Fundação Calouste Gulbenkian já disponibiliza para as populações. “Temos outra realidade que ainda não está no terreno, que é o Bibliomóvel, uma carrinha devidamente equipada que cumprirá as mais diversas funções: tanto pode estar na praia no verão como pode estar num jardim, como no Nos Alive, no Parque dos Poetas, como em Leceia… já está a ser preparada; tal como os carros dos bombeiros são carros de série que depois são transformados, aqui é uma carrinha de série que depois é transformada – tem de levar estantes, equipamento de difusão de internet… depois colocar a colecção, e depois criarem-se os roteiros”.