Há em cada um de nós um arquiteto. Também há um fotógrafo adormecido dentro de cada telemóvel. Por ironia do destino logo fui ter duas tarefas de que toda a gente sabe e decide mesmo.
O meu filho mais velho, 43, dizia aos 4 que o pai arquiteto tirava fotografias e o meu chefe no Ministério das Obras Públicas, chamava-me de senhor fotógrafo, quando me queria irritar sobre o meu trabalho de arquiteto. Mas o meu caso não interessa nada. Lembramos que o agente técnico Sócrates, mais tarde promovido num domingo a engenheiro, já rabiscava no seu período pré-socrático casas tipicamente portuguesas com janelas tipo fenêtre.
A alma de arquiteto está entranhada nos portugueses, desde gente letrada, como Cavaco Silva que gizou uma marquise na sua casa na Travessa do Possolo, ou o Comendador Berardo que meteu uma retrete na varanda, ao mais arreigado pato bravo de Tomar.
A Lisboa dos anos 60/90 foi toda ela rodeada de cidades à escala da tragédia urbana portuguesa, começando na histórica Brandoa, nascida clandestina e selvagem, até aos bairros sociais tipo caixote, desenhados por mentes brilhantes de arquitetos de esquerda, que tinham estagiado no SAAL do PREC.
Há no entanto uma elite de arquitetos que trabalha para as obras do Estado e para os grandes investimentos imobiliários. Esses arquitetos portugueses em geral, acham-se artistas e senhores do tipo de vida de quem vai habitar as suas obras. Muitos consideram a arquitetura antes de tudo, uma peça de arte onde quem condiciona os comportamentos sociais é a arquitetura, e não as pessoas. É a ideia de que a arquitetura contribui para a revolução socialista, ou o pedantismo de quem acha o espaço da vivência privada e social um jogo de formas desligadas da realidade. É uma ideia contrária a arquitetos como Le Corbusier ou Mies Van Der Rohe.
O escândalo da marquise mandada fazer por Ronaldo resume o estado da arquitetura portuguesa. Para o nosso génio da bola uma marquise, mesmo em forma de jardim de Inverno, faz parte do nosso imaginário infantil, pois palermas e marquises é o que mais há, e o que é preciso é que cumpra o seu papel: proteger os habitantes e tornar um terraço deslumbrante utilizável. E tem razão.

Para o autor do mamarracho com assinatura, a marquise é uma falta de respeito pela sua obra que na verdade faz lembrar em maquete, dois caixotes de fruta empilhados ao alto. É ainda a velha discussão entre a forma e a função, e sobre a ideologia que a estética desperta.
Uma coisa é certa: se a tal marquise lá foi posta porque fazia falta, o arquitetonto falhou. E se a bola é redonda, e se move para Ronaldo, faz sentido que a marquise lá esteja para o proteger mesmo que tenha resultado de uma grande penalidade. Claro que se o upgrade tivesse sido desenhado pela Joana Vasconcelos em forma de baliza estávamos perante mais um grande feito cultural ! Ainda vais a tempo Ronaldo!!!