Lisboa, a cidade a quem tiraram as artérias

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As ruas das cidades são como as artérias do nosso corpo.

Quando houve um arquiteto-urbanista por detrás de um bairro ou cidade, a estrutura urbana foi desenhada de forma a cada via pública corresponder a uma função.

As avenidas permitem a rodagem da maior circulação, as rotundas facilitam a distribuição do trânsito, as ruas principais são os corredores para se chegar a casa, ao escritório, às escolas, ao sector empresarial, as ruas estreitas servem cada actividade da zona eleita para vários serviços.

Os largos são muitas vezes o fim da rua pequena, onde os habitantes estacionam.

Em paralelo a esta rede viária, há outras ruas de peões, geralmente entre prédios, que permitem andar em segurança, idosos e crianças, ou gente que vai às compras no bairro.

Esta é a estrutura do Bairro de Alvalade, Lisboa, uma freguesia tradicional, onde a vida é partilhada entre vizinhos, onde os filhos frequentam as mesmas escolas, a mesma igreja, o mesmo cinema ou as várias lojas de pequeno comércio.

Quando vivia em Alvalade, estudava em Alvalade, ia ao cinema em Alvalade, a minha mãe comprava no mercado, o meu pai trabalhava em Alvalade.

Os cafés eram pontos de encontro e bons para fazer amizades.

Quando Medina corta as veias principais de Lisboa, ou as estrangula para fazer pistas de bicicleta, está a destruir o tecido urbano, a degenerar a cidade. Prejudica fortemente quem trabalha na rua, que faz distribuição, que tem de levar filhos à escola e ir buscá-los depois do emprego.

Uma fila de carros parados a subir a Avenida Almirante Reis produz o triplo do CO2 do que se eles estivessem em marcha normal. As horas paradas no trânsito são horas perdidas para a família, para a produtividade das empresas e levam à retracção do investimento na cidade.

Quem quer ter uma empresa onde não há como estacionar, ou como fazer circular os carros de trabalho? Quem quer viver numa cidade bloqueada, sitiada por gorilas da EMEL a policiarem em motas BMW, como se fossem polícias especiais? Ninguém quer viver num gueto.

A cidade sempre foi o centro da economia, do emprego, do Poder institucional e o local da classe alta que se sentia urbana e civilizada, enquanto os “pobres” habitavam os bairros antigos, perto do rio ou da fábrica onde iam buscar o sustento para a família.

Encarar Lisboa como um local para turistas de pé descalço, ou aceitar que fundos imobiliários comprem quarteirões inteiros para mera especulação bolsista tem sido criminoso.

Medina, enquanto vende a cidade a interesses estrangeiros, que não investem na qualidade da cidade, mas na especulação, e ao andar a brincar às ciclovias, demonstra ser um político pouco sério.

Faz as ciclovias, reveste o chão a pedra liós, pinta as ruas de tintas tóxicas. Os fofos do costume regozijam-se com estas decorações caras e mortais para uma cidade que devia ser pujante na economia, no negócio, na cultura.

Uma tragédia a que ninguém quer mudar o rumo. A oposição é cúmplice e tem interesses ocultos. Se é giro, é porreiro. Se é colorido é verde. Assim vamos.

13 COMENTÁRIOS

  1. Apoio uma Lisboa cada vez mais para os lisboetas e não para os que vêm passear de carro, a qualidade de vida está a subir muito e a ficar cada vez mais verde e apelativa. Viva Lisboa, cidade do futuro.

    • o texto assinado por Luiz Carvalho não se refere a quem vem a Lisboa passear de carro, mas ele fala das atividades económicas (os abastecimentos, a distribuição, etc.) e fala dos residentes que precisam de levar e trazer filhos da escola, enfim dá vários exemplos de pessoas que se sentem prejudicadas com as alterações recentes que dificultam o tráfego automóvel.

      • O mundo mudou, o Luís Carvalho, fotógrafo … não concorda nem aceita e parece que o Carlos Narciso, por quem tenho estima como jornalista, parece que o compreende bem, mas é assim, todo o mundo é composto de mudança e isso às vezes é desagradável …temos que largar os pópós… não digo no maravilhoso bairro desenhado por arquitectos, mas no centro das cidades …

        • Sim, tudo muda, evidentemente. Eu entendo as razões do Luiz, acho que tem argumentos válidos, mas não vivo em Lisboa. Sei que quando vou a Lisboa, os intermináveis engarrafamentos e a questão do estacionamento me dão vontade de lá ir cada vez menos. Porque não vou de transportes públicos? Porque são caríssimos, para quem não tem passe social. E só vale a pena ter passe social quando se usa quotidianamente.

  2. O problema é que as pessoas sao comodistas e fazem questão de levar o seu veículo para toda e qualquer deslocação. Por exemplo, não faz sentido sair de casa de manha para ir trabalhar, conduzir 10 minutos sozinho num carro e depois deixar o carro estacionado no meio da cidade durante 8 horas parado e voltar a pegar nele para conduzir mais 10 minutos no regresso a casa. Isto só é possível porque a cidade o premite, e é isto que tem de mudar e já está a mudar, felizmente. Se menos gente levasse o seu veículo so porque sim, porque pode, o transito ia fluir muito melhor para quem realmente precisa do veículo, tanto profissionais de distribuição, pessoas com mobilidade reduzida e outros que realmente precisam.

  3. Meu caro Luíz de Carvalho, duas questões :
    – 60% do espaço público, em Lisboa, está ocupado pelo automóvel e
    – circulam, diariamente, 600 mil carros na cidade.
    Não é possível haver qualidade de vida com estes números.
    No dia em que deixarmos os nossos filhos brincar na rua com os amigos, e os deixarmos ir para a escola a pé ou de bicicleta sem receios, então atingimos o patamar de segurança que nos retira do sobressalto em que vivemos.
    No dia 10 de Julho, a Ana Oliveira, 16 anos, atravessava a passadeira, no Campo Grande, e foi violentamente atropelada por um automóvel que não respeitou nem os limites de velocidade do local nem a cor dos semáforos.
    Lisboa, como muitas outras cidades, foi ocupada e desenhada a pensar no automóvel em detrimento dos mais vulneráveis; das crianças, dos mais velhos e daqueles que têm mobilidade reduzida.
    Esta na hora de resgatarmos o espaço público.

  4. Meu caro Filipe Campos,
    Percebo que não goste de cidades e prefira o campo. Eu também gosto do campo. Cálculo que não tenha carro, esse demónio fruto da industrialização, que deu origem ao emprego de milhões de pessoas. Imagino que ande numa daquelas bicicletas feitas em Águeda, iguais aquelas que os operários usavam no tempo de Salazar. Não o imagino a viajar de autocarro pois cada um consegue poluir mais que 10 carros recentes.
    Meu caro, acha que Nova York teria o encanto que tem, sem carros, multidões, chaminés com fumo, se fosse uma cidade silenciosa?
    Uma cidade silenciosa é como dois amantes que se amam sem gemidos.
    Agora, claro que acho que as cidades devem ser renovadas a pensar no conforto, na segurança. A cidade deve servir os cidadãos e promover riqueza para sobreviver.
    O acidente que relata é lamentável como muitos outros: há uns anos no mesmo local, um miúdo de 13 anos ficou electrocutado quando ia carregar no vermelho do semáforo.
    O meu caro adora a pacatez do campo. Vá ajudar o interior, mas vá de comboio.
    Embora lhe diga que Lisboa foi pensada por bons urbanistas que a organizaram pensando no conforto. Não estava previsto voltar à idade da pedra.

  5. Impressionante como é que se fala das lembranças do tempo de criança e se elogia o tempo e o modo em que se confinaram as crianças. Em que se passou a levar as crianças ao parque como se levam os animais de companhia. Mas pronto. Há que compreender alguém que fala em bairro devidamente estruturado e os filhos têm que ir para a escola , escoltados pelos pais em veículos motorizados. Alguma demência…..

  6. As cidades são das pessoas. Os transportes coletivos são um direito e uma cidade. Tirar os carros das cidades é humano, ecológico e sustentável. Aplaudo a coragem dos Autarcas que zelam pelo ambiente e pela mobilidade.

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