Peço desculpa, enganei-me!

"Condicionada a opinião pública pelos políticos, e perante um descalabro que coincidiu com um bodo em apoios públicos à Comunicação Social, só o Bastonário da Ordem e o Presidente do Sindicato dos Médicos exibiam vozes dissonantes. Até dia 19 de março, quando a Ordem ousou promover uma reunião com a “nata” dos especialistas nestas matérias, que arrasaram as práticas em curso..."

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1880

Em janeiro, ao soarem rumores de que uma nova gripe punha a China a ferro e fogo, logo senti que estávamos perante uma ameaça global.

A “convalescer” de uma esgotante carreira médica, e com experiência nas áreas de gestão de recursos e de investigação, também cedo percebi que muita informação básica nos era filtrada e que ninguém enunciava as medidas de combate exigíveis.

Sem tratamento conhecido, ou vacina à vista, a generalidade dos Governos e Instituições sanitárias de todo o mundo, dependentes de interesses político-económicos e corporativos alheios à Humanidade, iriam revelar flagrantes falhas, erros e omissões. Claramente, raros eram os países preparados para enfrentar uma peste que, prevista há décadas, depressa se espalhou. Negando evidências científicas e desvalorizando a ameaça que pairava sobre Portugal, como então denunciei, era uma evidência que também por cá não se fazia o trabalho de casa.

A incompetência era por demais evidente, com o Ministério da Saúde sem dar formação sanitária à Proteção Civil para não criar falso alarmismo: desfasado das realidades, até as máscaras e o gel desinfetante deixava esgotar, semanas antes do primeiro caso. Com o horror há muito espalhado pela Europa, quando a pandemia chegou nem o Palácio de Belém definira um plano de contingência ou garantira condições de segurança, impreparação que obrigou o Presidente a ir até Cascais passar roupa a ferro.

Sem rei nem roque, e sempre a coxearmos, que não a corrermos, atrás do prejuízo, demo-nos até ao luxo de inaugurar o confinamento com um “assalto” às praias, enquanto as autoridades negavam evidências científicas como o uso da máscara. Já com milhares de infetados e centenas de mortos, ainda o primeiro-ministro e o chefe de um Serviço de Infeciosas de referência apareciam na TV, de cara ao léu e rodeados de dezenas de “emplastros” também sem máscara, alegadamente por nenhum ter tido contatos com infetados. E, como também escrevi, a controlar as zonas de exclusão, até as Polícias, ignorando medidas básicas de proteção, faziam lembrar turistas de calção, toalha e bronzeador.

Condicionada a opinião pública pelos políticos, e perante um descalabro que coincidiu com um bodo em apoios públicos à Comunicação Social, só o Bastonário da Ordem e o Presidente do Sindicato dos Médicos exibiam vozes dissonantes. Até dia 19 de março, quando a Ordem ousou promover uma reunião com a “nata” dos especialistas nestas matérias, que arrasaram as práticas em curso: na inexistência de um “gabinete de crise”, nem sequer ainda fora nomeada a presidência do Programa de Prevenção de Doenças Infetocontagiosas, vaga há seis meses,

Nos dias seguintes, também estes médicos “desapareceram da circulação”, mas, com mais ou menos sobressaltos, os portugueses depressa aprenderam com os erros alheios, permitindo até perspetivar uma saída airosa, se o confinamento, que até se arrastou por tempo demais, não tivesse redundado numa sucessão de anedotas: mil polícias na rua, pelo Santo António, na maioria só com viseira, a caprichar no “extermínio” de balões e manjericos, é, indesmentível, uma das muitas que correm.

Com a economia a bater no fundo, e a ameaça do reacender de um surto que, tal como um incêndio, nunca se extinguiu, confesso que já nem tenho “pachorra” para aturar a pesporrência oficial: ainda esta semana, à saída do “gabinete de crise, a TV mostrava imagens de altos responsáveis apenas com viseira, incumprindo a própria lei; e ontem, a encabeçar a campanha de sensibilização em curso, tive de suportar, horas e horas, as brilhantes lições de alguém que, no mês passado, surpreendido na rua com máscara, afirmava que a passara a usar… por conselho dos netos. E ainda querem que o “pessoal” acredite nestes “mestres” e respeite as regras?

Contra factos não há argumentos. Peço desculpa, mas enganei-me nas previsões de um desconfinamento sustentável, tal como adiantei na semana passada. Confesso que não avaliei corretamente a competência, ou mesmo a sensatez, de quem nos administra a casa.

Ao fim de meses sempre a “bater certo”, talvez comece a acusar cansaço…

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