O apagão foi uma amostra do que pode acontecer ao nosso modo de vida numa crise que afete infraestruturas. Sem eletricidade nada funciona. Sem energia, sistemas básicos entram rapidamente em colapso: comunicação, transporte, abastecimento de água, hospitais, comércio, segurança, tudo é afetado. A civilização desmorona-se, voltamos ao fogão a lenha.
Ficou demonstrado que as infraestruturas críticas (como redes elétricas, telecomunicações, sistemas de abastecimento) são uma prioridade estratégica. Uma crise, seja um ataque cibernético, uma catástrofe natural ou uma guerra, pode provocar um colapso sistémico em questão de horas.



Agora, muitos estarão a perguntar por que razão o Estado alienou esse tipo de infraestruturas? Vender infraestruturas críticas (como redes elétricas, telecomunicações, abastecimento de água, portos, aeroportos) a privados, muitas vezes entidades estrangeiras é, essencialmente, ceder parte da soberania nacional. Essas vendas foram justificadas por necessidades financeiras imediatas (dívidas públicas, crises económicas) ou pela ideia (errada) de que operadores privados serão mais eficientes. E assim o país perdeu controlo sobre setores vitais.
COMO É LÁ FORA
Na prática, quem controla a eletricidade, a água, as estradas e os portos controla a vida e a economia de um país. Curiosamente, em alguns países, como a França ou os EUA, existe legislação que impede ou limita a venda de infraestruturas estratégicas a estrangeiros.
A França, em 2005, criou leis que permitem ao governo bloquear aquisições estrangeiras em setores estratégicos. Quando a General Electric (americana) quis comprar setores estratégicos da Alstom (energia), o governo francês interveio e impediu o negócio. Leis de 2014 e 2019 reforçaram ainda mais a capacidade de veto. Para a França, o conceito chave é soberania económica é soberania nacional.
Nos EUA, existe o CFIUS (Committee on Foreign Investment in the United States), um órgão governamental que analisa todas as tentativas de compra de empresas estratégicas por estrangeiros. Este organismos tem funcionado eficazmente na proibição de empresas chinesas controlarem infraestruturas críticas ou tecnologias sensíveis nos EUA.
Portugal é hoje um dos países da Europa Ocidental com maior percentagem de setores estratégicos controlados por capitais estrangeiros. Uma fraqueza, caso o ambiente internacional piore.
COMO É CÁ DENTRO
As privatizações de setores chave da economia nacional puseram nas mãos de estrangeiros boa parte da soberania do país. Tudo começou na última década do século XX, por pressão da União Europeia e por políticas internas. Diziam-nos então que era preciso “modernizar” e reduzir a dívida pública. Portugal privatizou, em parte ou totalmente, muitas empresas públicas, assim de memória nas áreas da energia, telecomunicações, transportes, banca, correios.
Mais tarde, a Troika (FMI, BCE e Comissão Europeia) acelerou ainda mais as privatizações. Passos Coelho foi o servo obediente e privatizou a EDP (com grande parte adquirida pela estatal chinesa China Three Gorges), a REN (rede elétrica) foi vendida parcialmente à State Grid of China, os CTT foram totalmente privatizados, a ANA (aeroportos), vendida à francesa Vinci, a gestão dos portos marítimos está entregue a consórcios estrangeiros, a Banca foi em boa parte absorvida por grupos estrangeiros (como o BPI, adquirido pelo espanhol CaixaBank).
Hoje, uma parte enorme dos setores estratégicos de Portugal está controlada por capitais estrangeiros. Os lucros são enviados para fora e, pior que isso, em caso de crise geopolítica, catástrofe ou conflito económico, Portugal depende de empresas que respondem prioritariamente a interesses externos. Estamos nisto. Falta só dizer que de todos os partidos políticos com deputados eleitos, apenas os que estão à esquerda do PS denunciam esta situação. Todos os outros, do PS para a direita, contribuiram para ela.