O FAROL DA DIREITA

O objetivo não é acabar com a imigração — é precarizá-la, criminalizá-la e impedir que se organize politicamente.

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Desde que Trump foi eleito pela primeira vez,em 2017, a direita ganhou um farol que a guia. O que até então eram partidos nacionalistas sem grande cooperação entre si, passou a ser uma espécie de movimento organizado em torno dos bitaites do novo guru.

Em Portugal, o Chega foi legalizado em 2019 e já vinha com a mesma agressividade gratuita contra a imigração, os apoios sociais e a presença do Estado na economia. O mesmo tom, as mesmas palavras, que ouviamos dos líderes do Vox em Espanha, por exemplo.

Alguns nomes têm tentado ser “agentes de ligação” entre os vários partidos políticos da direita mundial: Steve Bannon, ex-estratega de Trump, tentou fundar uma rede europeia chamada The Movement, com o objetivo de unir partidos populistas de direita na Europa. Ele arregimentou líderes como Marine Le Pen (França), Matteo Salvini (Itália) e André Ventura (Portugal), embora nem todos tenham aderido oficialmente. Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, promove eventos como a CPAC Brasil, onde participam figuras da direita dos EUA, Europa e América Latina. Ventura já participou ou interagiu com esse círculo.

No Parlamento Europeu, há blocos ideológicos organizados. O Chega pertence ao grupo Identidade e Democracia (ID), o mesmo grupo da AfD alemã, do Rassemblement National (Le Pen) e da Liga de Salvini. Estes grupos coordenam votos, discursos, campanhas e estratégias. Muitas vezes replicam os mesmos argumentos em várias línguas: contra a “ditadura de Bruxelas”, pela soberania nacional, contra a imigração islâmica, etc.

Não é um movimento com comando central, mas sim uma rede internacional fluida, coordenada e em crescimento, que partilha estratégias, financiamento, linguagem e objetivos ideológicos.

Mas há uma questão que raramente se discute com profundidade: quem financia esses movimentos? E o que lucram com isso?

Empresários, fundações e interesses bem definidos

Embora muitos desses partidos se apresentem como anti-sistema, a verdade é que recebem apoio de empresários, fundações conservadoras e setores económicos muito bem integrados no sistema. Entre os principais financiadores ou aliados estratégicos da nova direita, encontram-se donos de empresas ligadas ao agronegócio, construção civil, segurança privada e indústria alimentar, que dependem de mão de obra barata e precária, muitas vezes imigrante.

Há ainda fundações e think tanks conservadores, como a Heritage Foundation ou a Atlas Network, que promovem agendas neoliberais e morais conservadoras.

Por fim, grupos religiosos ultraconservadores, que veem nesses partidos um veículo para impor a sua visão de sociedade.

OpenSecrets.org – Base de dados de financiamento político nos EUA

A contradição da imigração

É aqui que surge a grande contradição: estes financiadores precisam da imigração para manter os seus lucros, mas financiam partidos que a atacam no discurso. Como se explica isto?

Simples. O objetivo não é acabar com a imigração — é precarizá-la, criminalizá-la e impedir que se organize politicamente. Assim, garante-se um exército de trabalhadores com menos direitos, mais vulneráveis e mais facilmente exploráveis.

Além disso, ao culpar os imigrantes pelos problemas sociais, estes partidos desviam a atenção das verdadeiras causas da desigualdade: a concentração de riqueza, a evasão fiscal, o desmantelamento dos serviços públicos.

Exemplos concretos: nos EUA, a empresa Tyson Foods, gigante da carne industrial, apoia políticas conservadoras ao mesmo tempo que emprega milhares de imigrantes em condições difíceis; no Brasil, o agronegócio que apoiou Bolsonaro emprega migrantes nordestinos e estrangeiros em lavouras com pouco controlo laboral; em Espanha, o setor agrícola do sul beneficia da exploração de imigrantes, mas vota massivamente no Vox; em Portugal, embora os financiamentos diretos ao Chega não sejam totalmente claros, o partido defende políticas laborais e fiscais que favorecem o patronato, ao mesmo tempo que ataca os imigrantes no discurso.

O que realmente está em jogo

O apoio da nova direita a estes interesses não é gratuito. Em troca da pressão política que exercem através desses partidos, os financiadores conseguem menos impostos e regulamentações, enfraquecimento dos sindicatos e das leis laborais; distração do debate público com guerras culturais; controlo social através de agendas moralistas e securitárias.

É aquilo a que se pode chamar de casamento de conveniência entre o capital e a nova direita.

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