OS IMPOSTOS QUE SEMPRE PAGÁMOS

Admiro a enorme paciência dos meus colegas que se debruçam sobre a documentação guardada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Ele há ali de tudo: vidas d’outrora das instituições e das pessoas sobre as quais, hoje, muitas vidas outras poderão esmiuçar acontecimentos, casos, histórias!... Admiro-os, sobretudo, porque de tudo aquilo – mesmo que, já em parte, passado em letra de forma – boa parte se encontra manuscrito, pleno de siglas e abreviaturas. Como epigrafista, sei o que é isso de siglas e abreviaturas, mas rapidamente as aprendi, as a época romana, porque, gravadas na pedra, lêem-se bem de um modo geral e, por repetidas, acaba tudo por entrar no ramerrão. Agora as dos manuscritos! E cada escrivão com a sua grafia!...

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"O cobrador de impostos" de Pieter Brueghel II (1564-1636)

Recebi há dias a versão digital dos dois volumes do livro O Reino de Portugal em 1527: os contratos das sisas. Referem-se, ao todo, 232 contratos, de bastantes concelhos do País. E esses contratos, importa dizê-lo, mostram como a Coroa (neste caso, el-rei D. João III) acatou a decisão tomada nas Cortes de Torres Novas de 1525 de que, sob a forma de contratos de venda, se transferiria «para os municípios do reino» a «cobrança das rendas das sisas de cada concelho». Mal acomparado era assim a modos do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) da actualidade.

Era assim o processo: reunia-se o povo no paço do concelho; anotava-se o nome e profissão de cada um dos presentes; explicava-se-lhes o que el-rei determinara em relação à percepção das sisas; apresentava-se a proposta e, obtido o assentimento acerca dos nomes propostos, lavrava-se o respectivo assento – para que constasse.

«O que eu acho interessante», comentava-me um amigo, «é ficarmos a saber que já se cobrava IMI nos idos de 1500. Hoje, o IMI é o imposto mais odiado pelos portugueses e, convenhamos, com toda a razão. É um imposto injusto e difícil de justificar. O imposto alimentava a corte e os burocratas das Finanças da época. Tudo muito parecido com os nossos dias, afinal». 

E perorava:

«Se houvesse informação sobre o montante do imposto sobre determinada propriedade, talvez fosse interessante para comparar com o IMI de hoje».

Neste livro, contudo, o que se narra é o processo de concessão da recepção das sisas, o tal imposto fundiário. O Rei encarregava os seus oficiais de irem de concelho em concelho, reunirem o Povo, de modo a acordar-se, em assembleia – que diríamos, hoje, ‘democrática’ – em quem é que o Povo depositava confiança para as cobranças. De facto, no fundo, o procedimento hoje mantém-se: o Estado delegou nos municípios a cobrança do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis), assim como do IUC (Imposto Único de Circulação).

Quanto a eventual comparação com os valores actuais, ainda que aliciante de saber, exigiria cálculos nem sempre fáceis de concretizar, mormente devido às flutuações (oficiais e reais) da moeda e aos valores (oficiais e reais) dos imóveis.

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