O território de Lafões, que hoje compreende a geografia física de três municípios – Oliveira de Frades, S. Pedro do Sul e Vouzela – atravessado pelo curso médio do rio Vouga, que nasce a montante nas terras de lenda da Senhora da Lapa e aqui vai entre margens de encostas verdes por onde escorre água abundante para regar ervagens, milharais, vinhedos de vinho verde – detém pergaminhos de uma História tão densa que releva desde a Pré-História ao tempo presente.


O Dólmen Pintado de Antelas; a Pedra Escrita de Serrazes; o Castro da Cárcoda (marcadamente da Idade do Ferro, com impressionantes estruturas de habitações, um elevado muralhado e o enigmático desenho das covinhas); o Castro da Senhora da Guia (onde foi encontrado um precioso tesouro da Idade do Bronze); as águas termais de S. Pedro do Sul aproveitadas desde os Romanos e que, mais tarde, teriam curado feridas de batalha, em Ourique, a nosso primeiro Rei, e que, mais tarde ainda, lenitivo nelas encontrou a nossa última Rainha; as Torres Senhoriais de Alcofra, Cambra e Vilharigues, das quais ainda ninguém desvendou os mistérios… abrem-se perante nós como pergaminhos cujas tintas o tempo deliu.


A epopeia do Bandeirante João Ramalho; as Casas religiosas que há muito se fecharam; o Mosteiro S. Cristóvão de Lafões e o Convento franciscano de S. José, este no corpo da Vila de S. Pedro do Sul; a Casa da Comenda de Ansemil; as nobres casas senhoriais, como a dos Malafaias ou a Casa das Ameias, constituem um substracto denso sobre o qual repousa e nela se alavanca a História de um tempo mais próximo de nós.
Marco identitário destas terras se tornou tambéma emblemática Vitela de Lafões, tenra como as ervagens das margens do Rio Vouga ou o Cabrito da Gralheira, a Serra onde os rebanhos se demoram.
Mas o que determina esta crónica é o dar relevo a uma preciosa doçaria que ali persiste, onde, com a da invenção popular, se entrelaça aquela que deriva da requintada doçaria conventual, onde os ingredientes são ricos – as gemas de ovos, o miolo da amêndoa, a tenra pasta do feijão branco, o açúcar em generosa quantidade, a água de flor, a canela ou outros temperos e o paciente lavor das religiosas e suas criadas que, laborando na cozinha em demoradas tardes, assim cumpriam também serviço divino.
E aqui se destacam os inigualáveis Pastéis de Vouzela, que tiveram berço no Mosteiro de Santa Clara, no Porto, e aqui chegaram por caminhos onde o real se intercala com a lenda.
Preciosos na sua capa finíssima de velino, que encerra aquele inimaginável creme dourado que nos espanta e delicia, como o segredo que se lhes associa, são como joia levantada do seio destas terras de eleição.


Talvez outra doçaria tenha tido origem nos conventos, como os Caçoilinhos do Vouga.

Mais tarde, toda ela se tornou doçaria de mercado e aqui se evocam as diligentes doceiras que andarilhavam por feiras e romarias com seus cabazes recobertos com toalhas de linho. E o engenho delas, das fabricadoras dos delicados Bolinhos de Gema, dos Melindres de cuidadoso lavor, dos Caladinhos, das Raivas de Fataúnços, dos Beijinhos, das Passarinhas que foram, e são, enlevo de criança, em dias de feira ou romaria.
E as conventuais Cavacas, que as trupes de rapazes dessacralizavam em feiras e romarias, reinventando-as como essas abonadas cráteras de vinho que os faunos antigos erguiam em orgíacos serões.
E os Biscoitos caseiros, os Fofos de Vouzela, o Pão-de-ló do Pisco e o luxuoso e tenríssimo Pão-de-ló de Sul que lembra a massa das Cavacas de Resende. E o Folar da Ponte, em S. Pedro do Sul, e o Folar de Vouzela, cuja massa se enriquece com torrões de açúcar e se serve nas cerimoniais mesas de Páscoa, quando o Compasso ali entrar ao soar alegre de uma campainha.
Espantosa de variedade e riqueza, esta Doçaria do território de Lafões, que, com esmero, a acolheu ou com amor lhe deu berço.