Se acaso fosse cineasta, gostaria que os filmes abordassem sagazmente o espírito que norteia as relações humanas, da família à sociedade, e a sua influência política e económica.
Não possuo essa ambição, nunca pensei verdadeiramente nela, mas se porventura a tivesse esbarraria nas mesmas amarras de outras apostas. Mais do que eventual capacitação, subsistem muros (próprios e alheios) e teias que ditam o amarramento.
Se o Mundo está em suspenso com o que pode resultar da eleição de Trump, e se a Europa receia o que possa surgir das eleições em 2025 na Alemanha – e depois na França -, ao povo se deve; e, no futuro, se irá dever.
Ao contrário dos países onde o poder é legitimado na sequência de eleições fantoches, aqueles que ainda elegem democraticamente os seus líderes acentuam a polarização e fraturam-se enquanto sociedade, sem disso a maioria dar conta devida. A Democracia não soma, antagoniza-se em objetivos que deviam ser comuns para bem do coletivo. E a Liberdade, que as gerações mais recentes têm como garantida, estará progressivamente ameaçada.
Na verdade, já hoje a Liberdade está amarrada a teias que a intolerância e o egoísmo tecem – e que os poderes, consequentemente, refletem em toda a sua plenitude. Seja o poder político – elementos eleitos em Democracia e responsáveis partidários que não promovem a convivência saudável e o diálogo construtivo -, seja o económico (que ética no sucesso?) ou qualquer outro dos poderes subsidiários e dos micro poderes de faca e alguidar.
Em década e meia, as redes sociais fizeram mais pela degradação dos valores que sustentam a Democracia e a Liberdade que os movimentos extremistas que se sentem hoje legitimados popularmente para incitar uma visão nacionalista do mundo.
Redes essas amarradas a uma globalização desequilibrada e desproporcional, que tem potencializado uma crescente desigualdade social e económica.
Globalização que quebrou vínculos naturais de economia circular, criando monstros que amarram com ganhos de escala – verdadeiras ditaduras de mercado que assim determinam, impõem e sugam. Ditam regras convenientes para si e usufruem de legislação feita à medida.
Em Portugal, 50 anos depois do 25 de Abril – que tão bem se assinalou pelo país – persistem muitas amarras à liberdade de ter opinião fundamentada, reconhecendo outras perspectivas a quem adota uma postura crítica responsável, sempre com a intenção de contribuir positivamente. Não se teme a ditadura, mas tem-se pavor (medo patológico) da sombra e afundam-se pensamentos, métodos e méritos alheios.
Faz-se marketing e confunde-se com informação. Aposta-se na perceção de uma maioria menos atenta mas não se é objetivo – tantas vezes como seria necessário – na definição de uma ação pública que prepare a comunidade para o futuro. Olha-se o imediato, enche-se a barriga com o acessório, mas esquece-se que esse futuro pode esconder dificuldades que as gerações que protestam hoje ainda desconhecem!
O aumento da intolerância em sociedades democráticas pode ser explicado por uma combinação de fatores: as redes sociais, a polarização política, a desconfiança nas instituições, a ansiedade social, a tendência para a simplificação do debate… No fundo, uma sociedade verdadeiramente democrática precisa da formação pessoal e da cidadania ativa dos seus principais agentes: as Pessoas que fazem o Povo!
Estamos amarrados! Nós, imprensa, também… Amarrados à indiferença dos muitos que não sabem o seu significado, do que ela representa, porque são também indiferentes às multiplas ações que (ainda…) populam à sua volta e que (ainda…) ocupam a sociedade de hoje. Sobram alguns dessa postura funesta, percentagem que não dá força plena ao exercício.
A indiferença em relação ao jornalismo é um dos maiores desafios para a saúde democrática. Para evitar o condicionamento do jornalismo e proteger o seu papel, a sociedade precisaria apoiar o fortalecimento de profissionais e dos veículos sérios, exigindo uma atuação comprometida com a diversidade e a responsabilidade social.
A indiferença social é o cancro que amarra a Democracia! As pessoas, intencionalmente ou não, demonstram desinteresse, apatia ou até insensibilidade. Representa um afastamento da solidariedade e da empatia, valores fundamentais para a coesão e o desenvolvimento social. Reflete uma falha no compromisso coletivo de agir para o bem comum e pode ser motivada por sobrecarga de informação e incapacidade de a filtrar, pelo individualismo e competição desenfreada, pela informação direcionada e descontextualizada.
Comprometendo o tecido social, pode abrir caminho para uma sociedade ainda menos justa e menos equitativa que a atual – e para o aumento exponencial do custo de vida. A Democracia, afinal, não é apenas um regime político baseado na escolha dos governantes; ela é também um modelo social que pressupõe o envolvimento ativo dos cidadãos no debate público e na defesa dos valores coletivos.
Se acaso fosse cineasta, o título do filme seria “Amarrados”; com um colossal ponto de exclamação (!) a agigantar-se na tela. De espanto por chegarmos a este estado civilizacional, de raiva por não o entendermos hoje, de susto por o que resultará desta acomodação do potencial cerebral dos humanos comuns ao artifício da inteligência. Porém, sempre com a esperança de que o Homem possa reinventar um futuro coletivo mais saudável.