OS OUTROS

«Os Outros» – tema fulcral da edição natalícia de Egoista

0
446

“A nova edição da “Egoísta” celebra as nossas diferenças e tudo o que nos une. É uma reflexão sobre o nosso lugar na comunidade e face ao outro com textos de Tânia Ganho, Teolinda Gersão, Inês Maria Meneses, Hugo Gonçalves, Paulo Mendes Pinto, Filipa Leal, João Luís Barreto Guimarães, Nuno Artur Silva. Destacamos o portefólio de Mário Testino, fotógrafo internacional, e de Augusto Brázio, Rui Aguiar, Inês d’Orey, Tiago Miranda, Adriana Molder e Jorge Colombo. O design é de Pedro Leitão”, revela a editora Patrícia Reis.

Escreve Mário Assis Ferreira, o director, no editorial:

«Estranho paradoxo esse, o de abordar a Solidão ao escrever sobre “Os Outros”… Talvez porque a Solidão não existe! Pois quando nos apartamos do mundo, ou o mundo dele nos aparta, eis que a Solidão se transfigura em encontro com nós próprios e, dessa junção, resulta o sortilégio de uma paz suspensa sobre o turbilhão voraz do quotidiano que nos cerca. Nessa paz reflexiva mora o silêncio onde florescem perguntas, onde se guarda a humildade, onde se contesta a razão. Onde, afinal, viceja o nosso “eu”, repartido entre o Yin e o Yang, entre a sombra e a luz, entre remorsos e júbilos, entre incertezas e presunções, entre saudades e reencontros».

E, após recordar que, nestes dias, o imaginário hemisfério em que vivemos se alarga «a tantos Outros, carentes e desprotegidos, em auspício de fé e esperança num futuro melhor», Mário Assis Ferreira lembra que é também «nesta quadra de luz e reflexão, de profunda ressonância no chamamento ao afecto e à solidariedade, que se eleva, no presépio da bem-aventurança, o amor à Família e o apego à Amizade». «Pois se a Família», conclui, «é o esteio do nosso existir, a Amizade é o único lugar do mundo onde vale a pena viver! Assim seja este Natal!».

Egoísta, 24 anos de idade e de prémios, 94. Folheia-se com reverência este volume de capa dourada; lêem-se os textos, que são bilingues; paramos a observar as muitas ilustrações.

Um olhar aleatório

«Dentro do espaço estamos juntos» é, por exemplo, o título da mensagem que Inês d’Orey, a fotógrafa portuense, de 47 anos, quis transmitir. Aliás, após informar que seguiu o percurso religioso católico habitual, fez questão de declarar que, ao entrar numa igreja, se sente agora como uma impostora e apenas aí se delicia nas fotografias que faz.

Reproduzo aqui, com a devida vénia, uma dessas fotos, colhida na igreja de Santo António de Pádua, em Belgrado, templo desenhado, em 1929, pelo arquitecto Jože Plečnik, foto que representará, como diz a fotógrafa, um dos «espaços secundários e normalmente menos óbvios e não visíveis» dessa basílica. Eu vejo uma porta aberta para escondida escadaria, fracamente alumiada por uma escotilha. Nada óbvio, pois, numa igreja; e não fora a fotógrafa a garantir-no-lo, nosso pensamento correria para bem longe, a imaginar um esconso, ainda que de porta mui bem conservada e tratada, de um edifício qualquer. Despojamento, sim; solidão, embora a luz escassa da gelosia deixe fugir o pensamento para ‘os outros’, porventura os crentes que, mesmo numa língua certamente bem estranha à do português S. António a quem o templo foi dedicado, porventura rezam, são «outros», num espaço mais amplo, o da nave central, onde, aí sim, estarão juntos – que, ao espreitar a escada, Inês d’Orey certamente estará sozinha. Antes, certamente, terá visto de fora a sumptuosidade da «basílica» que os frades franciscanos mantêm; buscou, porém, refúgio numa outra ignorada beleza, que assim nos quis transmitir.

Basílica de S. António, em Cracóvia, fachada norte
Foto de Inês d’Orey

Mario Testino, fotógrafo de moda peruano (nasceu em Lima a 30 de Outubro de 1954), é, aliás, o primeiro autor – de «Mundo Maravilhoso» – que nos aparece nesta Egoísta logo a seguir ao editorial. Não há texto. Só fotos. De peruanos e de peruanas, a envergarem os seus garridos trajes típicos, numa surpreendente explosão de cor. Tirando aquela em que as personagens, mascaradas, parecem esconder-se sob amplos chapéus que, em Portugal, diríamos feitos de empreita, tirando essa, as demais mostram pessoas que propositadamente posam para a foto, sérias, compenetradas de que estão a mostrar a «outros» que também elas pertencem a esse ‘mundo maravilhoso’.

Mulheres, foto de Mario Testino

Outros farão outras leituras; outros verão – e bem – nesses rostos peruanos uma imagem assaz viva da pluralidade humana, a respeitar. Grito de alerta será bem o suspeito.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui