“A nova edição da “Egoísta” celebra as nossas diferenças e tudo o que nos une. É uma reflexão sobre o nosso lugar na comunidade e face ao outro com textos de Tânia Ganho, Teolinda Gersão, Inês Maria Meneses, Hugo Gonçalves, Paulo Mendes Pinto, Filipa Leal, João Luís Barreto Guimarães, Nuno Artur Silva. Destacamos o portefólio de Mário Testino, fotógrafo internacional, e de Augusto Brázio, Rui Aguiar, Inês d’Orey, Tiago Miranda, Adriana Molder e Jorge Colombo. O design é de Pedro Leitão”, revela a editora Patrícia Reis.
Escreve Mário Assis Ferreira, o director, no editorial:
«Estranho paradoxo esse, o de abordar a Solidão ao escrever sobre “Os Outros”… Talvez porque a Solidão não existe! Pois quando nos apartamos do mundo, ou o mundo dele nos aparta, eis que a Solidão se transfigura em encontro com nós próprios e, dessa junção, resulta o sortilégio de uma paz suspensa sobre o turbilhão voraz do quotidiano que nos cerca. Nessa paz reflexiva mora o silêncio onde florescem perguntas, onde se guarda a humildade, onde se contesta a razão. Onde, afinal, viceja o nosso “eu”, repartido entre o Yin e o Yang, entre a sombra e a luz, entre remorsos e júbilos, entre incertezas e presunções, entre saudades e reencontros».
E, após recordar que, nestes dias, o imaginário hemisfério em que vivemos se alarga «a tantos Outros, carentes e desprotegidos, em auspício de fé e esperança num futuro melhor», Mário Assis Ferreira lembra que é também «nesta quadra de luz e reflexão, de profunda ressonância no chamamento ao afecto e à solidariedade, que se eleva, no presépio da bem-aventurança, o amor à Família e o apego à Amizade». «Pois se a Família», conclui, «é o esteio do nosso existir, a Amizade é o único lugar do mundo onde vale a pena viver! Assim seja este Natal!».
Egoísta, 24 anos de idade e de prémios, 94. Folheia-se com reverência este volume de capa dourada; lêem-se os textos, que são bilingues; paramos a observar as muitas ilustrações.
Um olhar aleatório
«Dentro do espaço estamos juntos» é, por exemplo, o título da mensagem que Inês d’Orey, a fotógrafa portuense, de 47 anos, quis transmitir. Aliás, após informar que seguiu o percurso religioso católico habitual, fez questão de declarar que, ao entrar numa igreja, se sente agora como uma impostora e apenas aí se delicia nas fotografias que faz.
Reproduzo aqui, com a devida vénia, uma dessas fotos, colhida na igreja de Santo António de Pádua, em Belgrado, templo desenhado, em 1929, pelo arquitecto Jože Plečnik, foto que representará, como diz a fotógrafa, um dos «espaços secundários e normalmente menos óbvios e não visíveis» dessa basílica. Eu vejo uma porta aberta para escondida escadaria, fracamente alumiada por uma escotilha. Nada óbvio, pois, numa igreja; e não fora a fotógrafa a garantir-no-lo, nosso pensamento correria para bem longe, a imaginar um esconso, ainda que de porta mui bem conservada e tratada, de um edifício qualquer. Despojamento, sim; solidão, embora a luz escassa da gelosia deixe fugir o pensamento para ‘os outros’, porventura os crentes que, mesmo numa língua certamente bem estranha à do português S. António a quem o templo foi dedicado, porventura rezam, são «outros», num espaço mais amplo, o da nave central, onde, aí sim, estarão juntos – que, ao espreitar a escada, Inês d’Orey certamente estará sozinha. Antes, certamente, terá visto de fora a sumptuosidade da «basílica» que os frades franciscanos mantêm; buscou, porém, refúgio numa outra ignorada beleza, que assim nos quis transmitir.
Mario Testino, fotógrafo de moda peruano (nasceu em Lima a 30 de Outubro de 1954), é, aliás, o primeiro autor – de «Mundo Maravilhoso» – que nos aparece nesta Egoísta logo a seguir ao editorial. Não há texto. Só fotos. De peruanos e de peruanas, a envergarem os seus garridos trajes típicos, numa surpreendente explosão de cor. Tirando aquela em que as personagens, mascaradas, parecem esconder-se sob amplos chapéus que, em Portugal, diríamos feitos de empreita, tirando essa, as demais mostram pessoas que propositadamente posam para a foto, sérias, compenetradas de que estão a mostrar a «outros» que também elas pertencem a esse ‘mundo maravilhoso’.
Outros farão outras leituras; outros verão – e bem – nesses rostos peruanos uma imagem assaz viva da pluralidade humana, a respeitar. Grito de alerta será bem o suspeito.