A INVENÇÃO DE UM NOVO REI MAGO

A HISTÓRIA DO REI MAGO BALTAZAR

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Vasco Fernandes, mais conhecido por Grão Vasco, terá decerto nascido em Viseu, em data que não conhecemos e esse factor e a fama granjeada com a sua singular obra que o titulou de Grão, de Grande, como aos Grãos Senhores do poder, levaram à invenção de lendas e até a demarcar, na toponímia dos termos de Viseu, o sítio dos Moinhos do Pintor pertencentes a seu pai onde, num deles, terá ensaiado o seu jeito de pintar. E com tal verdade o fez, que seu pai, regressando um dia da volta pelos fregueses, ao olhar a porta do moinho com um burrico pintado, se espanta e lhe dá uma palmada para que dentro se acolha.

Terá sorrido o miúdo; a lenda, porém, já não conta o que depois se passou.

Grão Vasco tem, no entanto, uma história de verdade.

Homem feito à entrada do século XVI, cultor ainda dos cânones da maneira flamenga de pintar, recebe do Bispo D. Fernando Gonçalves de Miranda a singular encomenda de pintar um retábulo para o altar-mor da sua Catedral, obra maior a que o pintor associa Francisco Henriques, seu émulo.

Desse conjunto retabular de dezoito painéis, executados entre 1501e 1506, o Museu Nacional Grão Vasco guarda, como Tesouros Nacionais, catorze dessas tábuas, que então sobre a madeira se pintava.

Um desses painéis, a ADORAÇÃO DOS MAGOS, singular e inventivo, esquece a tradicional figuração de Baltazar, o Mago de cor negra da tradição, ali representante desse continente negro, que era a África, e, em sua vez, coloca um nativo das terras de Vera Cruz, mais tarde apelidadas de Brasil, e representa-o ao jeito do vivo descritivo dessa Carta de Achamento que Pêro Vaz de Caminha fizera seguir para o rei.

Grão Vasco utiliza, todavia, uma solução de compromisso na sua composição, já que seria ousado, ao tempo, a figuração da nudez desse liberto viver dos nativos. Deixa a esta figura os símbolos da sua etnia Tupinambá – a lança, o cocar com a plumagem que o adorna, os típicos ornamentos que revestem o pescoço, os braços, as orelhas – mas veste-lhe o corpo com roupagens europeias, brocado de preciosa tessitura, e deixa-lhe os pés descalços. Na mão, numa taça, talvez de prata, esse Rei estranho estende o real presente, a mirra, porventura, se não frutos da prodigalidade da sua terra.

Viseu. Museu Nacional Grão Vasco. Adoração dos Reis Magos. Vasco Fernandes (Grão Vasco). (1501-1506)

Não sabemos a reacção do povo de Viseu ao olhar, pela primeira vez, o retábulo ainda de frescas cores ao jeito dessa cenografia, que catequese se tornava, elucidativa da vida desse Deus feito criança e do trajecto do homem sofredor que cumpre um destino salvífico.

Mas, nessa hora, a nova do achamento dessa terra nova e distante já corria e ali estava o sinal de que outros mundos havia e a sua gente lá chegara.

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