O TEMPO DAS CASTANHAS

Evocando memórias. Práticas e costumes do Nordeste da Beira nos meados do século XX.

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Dizem que o tempo das castanhas é o tempo do Outono. Mas não é. O tempo das castanhas corre, intenso e fecundo, pelo ano fora e eu julgo que poderíamos iniciar o seu ciclo vital pelo dealbar do mês de Abril quando se dá conta do amoroso despertar de uma Terra-Mãe no Inverno adormecida, quando uma seiva nova começa a reverdecer os galhos dos castanheiros.

O tempo das castanhas alonga-se pelo mês de Maio quando o passaredo se começa a ajeitar por entre os ramos para fazer os ninhos, quando o cuco, à sua sombra entra de cantar, quando a corcolher e o cavalinho anunciam, ao longe, as medonhas trovoadas que irão mesmo acontecer.

O tempo das castanhas segue além pelo mês de Junho quando o rapazio, tarde fora, talha nos esguios ramos os sonoros assobios que alegram, na aldeia, a rua inteira, quando os romeiros da Senhora da Lapa, esses que vêm das bandas do Montemuro desenham, com as castanhas que guardaram, os cordões dos seus rosários que penduram ao pescoço para agradecer à Senhora o milagre antigo que libertou os soutos dos avós de uma praga das lagartas.

Rosário de castanhas que os romeiros penduravam ao pescoço

O tempo das castanhas é quando, Julho entrado, os pastores esgalham os inúteis ramos de folhagem verde para alimento dos seus gados, quando as donas aguçam estacas de varedo para os quartéis de seus feijões; quando, em Agosto, se acolhem à sua sombra os malhadores; quando, ansiosa, a gente espera ver passar nuvens de chuva pelo céu; quando, em Setembro, a aldeia, esperançada, olha a ramaria dos ouriços grados; quando, Outubro vindo, correm para os soutos, cestas na mão e os maços de britar, as mulheres dos lavradores.

O tempo das castanhas é Novembro, S. Martinho à porta, memórias de antigas festas de colheitas, que celebravam deuses antigos e agora se celebra a Natureza, deusa-mãe ontem e sempre, com os magustos, a jeropiga, os risos e o vinho novo de que a aldeia faz ágape festivo.

castanhas assadas

O tempo das castanhas é Dezembro, quando o vento que se chama de cieiro estende pelos soutos a folhagem por lençol de adormecer a esses bons gigantes, os castanheiros, alguns dos quais têm já mil anos, são velhinhos, quando a neve os agasalha com jeitinho até que a primavera os faça despertar devagarinho.

Castanheiro milenar, em Moimenta da Beira. Perímetro do tronco tem 13,4 metros

O tempo das castanhas é Janeiro a abrir quando se oferecem, secas, as castanhas, às mãos-cheias, pelos Réis, aos cantadores; quando, em Fevereiro, se faz o caldo delas pela Senhora das Candeias; quando, em Março, se desenterram, guardadas em areia, numa cova, provando, desta sorte, que o tempo das castanhas corre, intenso, fecundo e certo, os doze meses de um eterno Calendário.

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