Andava pelas redes sociais, tinha um endereço do Gmail para enviar mensagens aos amigos, escrevia num site informativo do Médio Oriente, tinha filhos que morreram com ela.
A morte de Wafa Al-Udaini, no bombardeamento israelita, no passado domingo, em Deir Al-Balah, não fez estremecer ninguém. Foi apenas mais um episódio.
O gabinete de imprensa do Governo de Gaza diz que Wafa foi a 174ª jornalista vítima dos militares israelitas, mas outras fontes têm um saldo mais elevado destas mortes. Pouco importa, é uma contabilidade insana.
Wafa trabalhava para vários media de língua inglesa, desde sites a jornais, rádio e televisões, como correspondente. Em público não dispensava o véu islâmico, preceito religioso que não se aplica a crianças. Pelos filhos podemos ver a mãe.
Licenciada em Literatura Inglesa por uma universidade palestiniana, podia ter escolhido outra profissão, talvez ser professora. Mas Wafa preferiu tentar contrariar as narrativas jornalísticas dos grandes media internacionais invariavelmente pro-israelitas.
“São relatos que contribuem para a morte de pessoas inocentes às mãos dos israelitas, que ocuparam a nossa terra e nos expulsaram de lá em 1948, são relatos que os encorajam a continuar a violar o direito internacional”, disse Wafa Al-Udaini quando um dia lhe perguntaram porque quis ser jornalista.
E por isso morreu.
O seu derradeiro trabalho publicado no MEMO – Middle East Monitor foi a reportagem sobre uma manifestação de jornalistas em Gaza, um protesto contra a morte dos muitos camaradas de trabalho alvejados pelos militares israelitas.
Escreveu Wafa Al-Udaini que “não existem coletes à prova de bala para jornalistas em Gaza”, numa alusão à morte de tantos que os envergavam e que, por isso mesmo se distinguiam entre as multidões e foram alvo dos assassinos.
Esse protesto reportado por Wafa aconteceu na sequência das mortes de Ismael Alghoul e Rami Alrifi, jornalistas do canal Al Jazeera. Nesse protesto, os jornalistas despiram os coletes azuis estampados com “PRESS”, e consideraram que o traje supostamente protetor é inútil quando os ataques israelitas visam intencionalmente trabalhadores dos meios de comunicação social, violando flagrantemente o direito internacional.
Agora, já quase não há quem se manifeste, em Gaza, contra a morte de Wafa Al-Udaini e dos seus dois filhos e marido.