Não é, porém, sobre essa invasão que hoje vem a jeito falar (ainda que se esteja em período de invasões idênticas…). É sobre o facto de entre dois povos vizinhos ou dois concelhos vizinhos ou freguesias vizinhas ou clubes de futebol vizinhos haver sempre uma certa picardia… Não se proclama amiúde, alto e bom som, que “De Espanha nem bom vento nem bom casamento”?
A talhe de foice virá, pois, a história que Rainer Dahenhardt me contou:
«Dei uma palestra a conservadores dos museus holandeses e chamei a atenção para o facto de os livros escolares de história do seu país frequentemente classificarem o Português como sendo «o pirata», por definição. Classificar os Portugueses, genericamente, como “os piratas dos sete mares“ é mais do que infundado exagero».
Um dos conservadores, comentando a afirmação, aduziu, a título de exemplo, as lutas que os Holandeses tiveram de travar contra o Duque de Alba. Quando o conferencista lhe explicou que esse general não era português mas espanhol, de pronto o holandês lhe replicou:
– Português ou Espanhol é tudo a mesma coisa!
Houve na sala vozes discordantes e Rainer aproveitou para perguntar quantos homens é que, então, os holandeses teriam perdido na principal batalha travada contra o Duque de Alba.
– Entre 50 000 e 70 000 – responderam dois historiadores.
O primeiro conservador que falara atirou logo a frase, em tom jocoso:
– Sim! Mas ele também tomou Lisboa!
Houve sorrisos na sala. E foi a vez de Rainer indagar da assistência:
– E sabe algum dos senhores onde é que ele morreu?
Silêncio.
– Foi em Lisboa e não foi por vontade própria!
– Como é que ele faleceu?
– Demos lhe a sopa de Lisboa e ele apagou-se num instante.
A sopa de Lisboa
Como é sabido – e Rainer recorda-o – muitos tiranos viviam (e, se calhar, ainda vivem…) com o medo de poderem ser envenenados. Têm, por isso, um provador oficial, que come e bebe da comida apresentada, antes de darem o seu “sim, está tudo em ordem!”, para que Sua Excelência possa comer descansada.
No caso do Duque de Alba, a maioria da lusa gente estava fula com ele, já antes da Batalha de Alcântara, por ter mostrado um excesso de crueldade ao ter ordenado que o Vice-Rei da Índia, Dom Diogo de Meneses, que estava como Condestável das forças de Dom António Prior do Crato na fortaleza de Cascais, fosse simplesmente decapitado. Isto é, a alcunha que os Holandeses tinham dado ao Duque de Alba, diabo do meio dia tinha razão de ser!
Não há prova nenhuma que tenha sido um português a dar-lhe a sopa envenenada! É essa, todavia, a versão que corre, desde então, em Espanha. Apenas se sabe que, em Lisboa, o Duque de Alba (Fernando Álvarez de Toledo y Pimentel comeu uma sopa e começou a sentir-se tão mal que faleceu de seguida, a 11 de Dezembro de 1582, com 75 anos. E que o cozinheiro sumiu!
Nunca se logrou provar que tal tenha realmente acontecido. Mas será que havia real interesse em descobrir?
(De colaboração com Rainer Daehnhardt)
É um texto muito interessante. Estava a pensar que era um prato leve, bonito, apetitoso – ao ver a a imagem da sopa que me parece agora uma canja – e eis que percebemos, pela leitura, que ela tem o efeito de uma bala quando acerta: faz adormecer definitivamente.
Não, não vale a pena averiguar quem lhe deu a sopa, isso são águas passadas, mas antes de desistir completamente do assunto, pensei: e se eu pedisse, assim mesmo, a receita da sopinha?…
De: Regina Anacleto
9 de agosto de 2024 13:17
Obrigada pela partilha. Aprendo sempre alguma coisa.
A sopa de Arroios, sabia eu o que era, mas… a sopa de Lisboa dispenso-a. Eu até gosto pouco de sopas, quanto mais dessa…