As Cavalhadas, no seu mais genuíno significado, constituem-se como uma lúdica reinvenção das guerras entre Mouros e Cristãos transferida desde inícios de uma Idade Moderna para as arenas festivas onde cavaleiros, envergando trajes alusivos às tropas cristãs e da mourama terçam armas para gáudio de festivaleiros. São residuais em Portugal continental e nos Açores e mantêm-se como poderoso atractivo no Brasil. Em Vildemoinhos (Viseu), escapam a essa original marcação.
Ao certo, ao certo, nós não sabemos quando aconteceu a primeira Cavalhada de Vildemoinhos, essa devota e festiva romagem que começou por ser de homens a cavalo, à distanciada capela de S. João da Carreira, lugar de privilégio, nas abas da cidade, para a solicitação, ao céu, de um graça mediada pelo santo protector. Até que houve um dia em que o curioso Padre Henrique Cid, pároco de Santos Evos quando faleceu, em 1916, se lembra de escrever a história da primeira Cavalhada de Vildemoinhos a S. João da Carreira (margem da cidade onde pousa a antiga Capela dedicada a S. João Baptista) com o mesmo sem rigor histórico com que inventara a história do João Torto (o primeiro homem a tentar voar, em Portugal, com asas por si construídas), da Maria Mentes, das Feiticeiras de Ranhados e outras mais, produto singular, todas elas, da sua desvairada imaginação.

Das primeiras Cavalhadas conhecidas falam-nos os jornais da cidade a partir de 1850 apenas. Descrevem sempre uma romagem de mascarados, seguindo a cavalo, nos burricos do tempo, os verdadeiros cavaleiros que a guiavam, quatro mordomos então e o Alferes da Bandeira, esses montados em belos corcéis, sem máscara, travestidos com trajes de fidalguia.
Afirmavam os jornais que era costume antiquíssimo. E assim mantêm o testemunho até que por meados dos anos quarenta do século XX se estabelece, sem crítica histórica, a data de 1652 como a data fundadora do evento, apenas porque o Dr. João Cid, sobrinho do Padre Henrique Cid havia publicado em 1937, num jornal de Viseu, alguns dos “Velhos Papéis” deixados por seu tio. E onde essa data aparecia.
Claro que o que lá se contava tinha foros de lenda que foi tomado por verdade. Sem que daí mal algum viesse ao mundo!… Até porque todas as lendas assentam em fundos de verdade.
Questões de águas sempre houve onde rio passasse e hortas se cultivassem ou houvesse azenhas ou moinhos para moer. Na ribeira do Pavia foi assim.

As Actas da Câmara de Viseu referem esses episódios. Que o Juiz da terra resolvia a seu modo. Que o Rei, esse não cuidava, em seu Tribunal, de questões tão comezinhas.
Mas a lenda ficou inventada. Com seu delicioso desenho, essas desvairadas voltas pela cidade entre os moinhos, a capela, a Câmara da cidade quando em Vildemoinhos havia também casa de Câmara e pelourinho, as hortas dos campónios com as represas esbarrondadas.
De tudo resta, feliz, esta festa centenar, este brio dos “trambelos” (apelativo da gente de Vildemoinhos), alguns ainda de sangue, outros de adopção, que teimam, ano sobre ano, em lembrar o “milagre” antigo, devotos de S. João, o Santo que sempre chamaram de Precursor.

E mágica se torna a jornada na clara manhã de 24 de Junho quando os foguetes anunciam a caminhada devota, quando os Cavaleiros (Alferes da Bandeira e Mordomos) se postam à frente do Cortejo que deambulará pelas ruas de Viseu animado por Bandas e Fanfarras e as mágicas construções dos Carros alegóricos animosamente construídos aos serões.
Fiéis, mesmo nestes estranhos tempos, ao seu patrono, reinventando a festa, reinventando a esperança e a alegria. Cumprindo uma promessa!…