Tento não escrever ‘em cima’ de alguns acontecimentos. Contudo, dei-me ao incómodo de ver a maior parte dos ‘trabalhos’ da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso das gémeas brasileiras que receberam, em tempos difíceis para os portugueses, acentue-se, o medicamento mais caro do Mundo por padecerem de uma doença rara.
Não vou estar aqui com muitas explicações sobre o caso em si, porque não deve haver ninguém que não saiba do que estou a falar.
Em todo o caso, há duas ou três coisas sobre a situação que gostava de salientar e que me parecem básicas. A primeira é sobre Lacerda Sales, antigo secretário de Estado da Saúde, que se remeteu ao silêncio, como é seu direito, por estar a decorrer uma investigação judicial sobre esta matéria. A outra diz respeito à mãe das crianças que, inquirida na CPI, mentiu sempre! E, como se diz na minha terra, mentiu com quantos dentes tem na boca.
Se a senhora tivesse chegado ali e dissesse que não sabia quem era o portador do ‘pistolão’, eu perdoava esta mentira. Qualquer mãe do Mundo, incluindo eu própria, enquanto mãe e avó, teria usado todas as cunhas e ‘pistolões’ que encontrasse para salvar as crianças. E não só as minhas.
O problema é que a mãe das gémeas não conhece ninguém, não sabe dos e-mails que mandaram da sua conta nem das mensagens do seu WhatsApp. Não sabe, quiçá, quem é o Presidente da República do País que, apesar de estar numa situação económica muito complicada, em plena pandemia, pagou quatro milhões de euros por um medicamento, mais as cadeiras e todos os utensílios devidos às necessidades e comodidades das crianças, quando há outras em Portugal que, ainda hoje, não têm direito a elas.
É claro que as mães destas outras crianças não têm ‘pistolões’. Quando muito, têm pistolas de brincar e talvez sejam das de água, com as muitas lágrimas que choram na impotência de socorrer os filhos.
Mas voltemos ao que me traz aqui. Não é o caso das gémeas brasileiras ou, agora, luso-brasileiras, até porque já se percebeu que a única intenção do deputado do Chega, que pediu a CPI, era achincalhar a mãe das crianças, incluindo com a exibição no Parlamento de um vídeo que já passou em todos os telemóveis do País, e fazer o mesmo ao ex-Primeiro-Ministro António Costa e a Marcelo Rebelo de Sousa (estes, naturalmente, deporão por escrito). Não quer o deputado do Chega que António Costa vá ocupar um lugar cimeiro na Europa e, por isso, pretende obrigá-lo a ir à Assembleia da República depor num caso com o qual, claramente, nada tem a ver. Quanto ao Presidente, trata-se de uma guerra antiga, além de que tudo passou, claramente, pelo seu filho. Mas são achincalhos, portanto…
E é para isto que servem as comissões parlamentares de inquérito: pagámos à mãe das gémeas brasileiras a sua vinda a Portugal; pagámos a deputados que deviam estar a trabalhar para resolver os problemas do País; pagámos horas de emissões televisivas em todos os canais, para termos sempre o mesmo programa; pagámos (implicitamente) os ordenados de toda a gente envolvida nesta situação para nada produzirem.
Nunca as comissões parlamentares de inquérito serviram para alguma coisa. E reitero: NUNCA!
A mais famosa de todas, a CPI criada para o acidente de Camarate que, em 1980, vitimou Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa e familiares, chegou à décima edição, mais de 30 anos depois da queda da avioneta. Pelo caminho foram feitas e desfeitas declarações que foram dando origem a um maior acumular de papéis e pequenas investigações no processo judicial, que acabariam por se comprovar ser falsas e não serviram para nada, excepto para alimentar teorias da conspiração. E, quando havia eleições ou se pretendia um determinado objectivo político, lá se abanavam os esqueletos e vinha uma nova CPI.
Era suposto que estas comissões fossem um ‘auxiliar’ de processos judiciais mais complexos. Mas, pela natureza oportunista de alguns humanos, tornaram-se numa forma vil de tratar assuntos, como se viu por estes dias.
Acrescente-se, para quem não percebeu, que, num processo judicial, o arguido pode mentir, mas as testemunhas não o podem fazer. Numa CPI, todos podem mentir e mentem, incluindo os deputados que colocam as perguntas de forma ardilosa.
A queda da ponte de Entre-os-Rios, os processos da Junta Autónoma das Estradas (JAE) e do BPN são alguns exemplos de situações que tiveram CPIs. O sistema judicial não aproveitou nada do que foi dito na Assembleia da República. Mas, por exemplo, só o caso da JAE teve cinco CPIs…
Quer isto dizer que, quando subsiste algum problema grave, se convoca uma Comissão Parlamentar de Inquérito para… Nada!
Assim, proponho, desde já, que seja criada uma CPI para percebermos quanto gastou este País em CPIs inúteis e se extinga esta forma de gastar, indevidamente, tempo e dinheiro ao Estado que, recordo, somos todos nós.