De facto, diziam os conceituados autores romanos que do mar só poderiam vir pestilências e o melhor seria que as casas senhoriais se acoitassem mais para o interior, limpo dos ares da serra e propenso, até, às lides agrícolas, que os terrenos não eram maus de todo e um curso da água aqui, outro ali, lá davam para irrigar uns hortejos.
Por isso, embora sempre com essa mágoa na garganta, para as terras nos lançámos e boa safra foi, que descobrimos um punhado de villae, assim se chamavam a explorações agrárias que não nos cansamos de comparar com o monte alentejano, pois têm a mansão do senhor, os espaços para as lides agrárias (o lagar, o celeiro) e as dependências para os trabalhadores.
Por aí andávamos, quando inesperada obra junto à muralha do vetusto castelo, na Rua Marques Leal Pancada, obrigou a que os arqueólogos estivessem presentes, não fosse o diabo tecê-las e ali viessem a encontrar-se mais vestígios da vivência na vila medieval. «À porta deste castelo…» – lá estava a placa a recordar tempos idos em que eram os homens-bons a criar as suas leis, na obediência aos reais anseios da população.
E qual não foi o espanto quando, nesse já longínquo ano de 1992 , afinal o sonho se tornara realidade: também em Cascais os Romanos tinham construído tanques para o fabrico de preparados de peixe!
Esta expressão assim meio esotérica (que será isso de ‘preparados de peixe’?) oculta, de facto, uma realidade doutros lugares, como a nossa Tróia, defronte da península de Setúbal, ou várias das aglomerações urbanas do litoral algarvio: nesses tanques se deitavam vísceras de peixe e outros condimentos, para preparar um molho deveras apreciado. O famoso garum! Assim uma espécie de salmoura, mas comestível e, segundo se imagina, os Romanos lambiam-se desse paté, inclusive porque, segundo rezam os livros, peixinho da nossa costa era mesmo do melhor para acrescentar sabor ao petisco! Doutra forma se não entenderia que Tróia tivesse uma ‘bateria’ de cetárias (assim se chamam os tanques) de alto coturno e não houvesse mesmo necessidade de, no vale do Sado e do Tejo, se fabricarem ânforas expressamente para levarem garum aos confins do Império, designadamente à Cidade Eterna, que hoje ainda se encontram, nos entulhos do Monte Testaccio, pedaços de ânforas idas daqui!…
Não quiseram, pois, os responsáveis pela Divisão de Arquivos e Património Histórico (Núcleo de Património Histórico e Cultural) da Câmara Municipal de Cascais deixar os seus créditos por mãos alheias e, por isso, vá de programarem para o dia 18 de Abril (uma quinta-feira), das 17h30 às 19h30, uma oficina (eles escrevem workshop, porque desconhecem que, em português, há a palavra certa: «oficina»!…) sobre o garum lusitano, no âmbito das comemorações do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios.
Abençoados!
Por conseguinte, o povo é convidado a ir até à Casa Sommer (ali à frente da igreja matriz cascalense) para se inteirar como é que a gente pensa que os Romanos preparavam «este antigo molho de peixe fermentado»: ovas, tripas, fígado, alguma polpa, nomeadamente de cavala, tudo bem condimentado com cominhos, orégãos e outras ervas aromáticas…
Não se diz no programa se há mesmo degustação ou se, afinal, o pessoal fica a saber como se faz, vai depois até às tais cetárias da Rua Marques Leal Pancada e, depois, no sossego do lar, se bem tiver aprendido a lição, experimenta os preparos. Digo eu, que, nisso de vísceras de peixe, se calhar, o melhor mesmo é não tentar e indagar se há por i algumas latinhas à venda… Em Tróia, o pessoal atreve-se; mas também lá, no tempo dos Romanos, era tudo à fartazana; nós, pequeninos, ficamo-nos por aqui! E já não é nada mau!
Adorei o texto, porque me veio o aroma do garum que já preparei em casa. É DELICIOSO, mesmo em versão simplificada, a minha.
O resto terá mesmo a ver com a frescura do peixe, precisamente certificada pelas vísceras, com a qualidade do azeite e com os restantes temperos. Devo dizer que nunca pensei que aquela pasta, patê, a forrar umas fatias de bom pão torrado, fizesse uns crostini ou bruschettas (para estar na moda) tão apetitosos.
Não dou a minha receita…vendo, quando fizer o meu livro de culinária.
Conheço o Castelo da vila, as cetárias que ilustram a crónica. Quanto aos “homens bons”, imagino quem seriam… Embora o conceito mude com a forma como o vento sopra, uma coisa os une no cordão do tempo: o poder.
Boa noite meu ilustre Amigo. Amanhã, ou depois, vou fazer garum, se tiver vísceras de certo peixe fresco.
Fiquei com água na boca.
Um abraço.
bom, eu aceito um frasquinho bem fechado. Gostava de provar.
Boa tarde Carlos Narciso. O autor do texto também deve saber fazer…mas está muito calado.
Daqui a um mês talvez já haja produto de qualidade (gordo) para um bocadinho que terá depois o seu período de apuramento. Hoje nem havia fresco, nem me aconselharam a usar ainda o peixe, se houvesse…
E fica prometido o “frasquinho” da iguaria.