Os Patrões da OMS

"A guerra anda a vender humanitarismo para justificar o facto de não permitir que ninguém se lhe oponha. A salvação é sempre um bom produto para se vender, sobretudo quando está em causa marcar uma determinada posição hegemónica no mundo."

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1. Afirmam alguns estudiosos que um dos maiores mecanismos na História para submeter os povos nativos dos continentes americano, africano e oceânico foi a evangelização. Através dos missionários, que pretendiam apenas levar a palavra de Cristo pelo mundo e oferecer a salvação, culturas que nada tinham a ver com a cultura europeia acabaram por assimilar os seus valores, o que acabaria por trazer repercussões às suas sociedades. No século XIX, estes esforços de  congregação política sobre valores hegemónicos unilaterais assumiram o nome de “imperialismo”, sendo que a evangelização deu gradualmente lugar à exploração capitalista.

Desembarque de Pedro Alvares Cabral em Porto Seguro em 1500, quadro de Oscar Pereira da Silva, 1865–1939

Os valores superiores do homem branco permitiram, assim, não só domar o homem “selvagem”, como quase eliminá-lo, ao mesmo tempo que escravizavam quem nascia com a pele substancialmente mais escura. Neste processo, claro, muito contribuíram para a “conversão” os avanços tecnológicos europeus, sobre a forma de armas, navios, equipamentos médico-científicos, entre outros.

Falemos, portanto, do poder da doutrinação para fins superiores de salvação, sem que se permita o devido diálogo com uma sociedade que se quer democrática.

2. Nos últimos anos o epíteto “desinformação” é cada vez mais utilizado como desculpabilização para a censura. Sendo certo que a ascensão das redes sociais e as suas práticas algoritmicas promotoras da adição podem ser apontadas como uma das causas de fenómenos políticos assentes em informação falsa ou incorreta, a abstração do termo “desinformação” tem servido para combater quer a propaganda política sem escrúpulos, quer a crítica legítima e fundamentada de determinados temas, apenas porque não está em sintonia com as questões sociais do momento. No intuito de tornar este cruzamento transparente, embora lhe possamos questionar as motivações, Elon Musk abriu o Twitter à análise de jornalistas independentes, em relação à atuação desta rede social durante os anos da pandemia.

Na sua análise aos “Twitter Files”, Andrew Lowenthal, ex-director de uma ONG focada em direitos humanos online, liberdade de expressão e tecnologia aberta, encontrou uma realidade perturbadora. Aparentemente, há uma enorme quantidade de dinheiro a ser injetada contra a “desinformação” em ONGs e na Academia, tanto do Governo como da filantropia privada. A título de exemplo, só a empresa de segurança e tecnologia Peraton celebrou com o Pentágono um contrato de mil milhões de dólares.

Ainda mais alarmante é o envolvimento entre o financiamento militar e grupos privados que se misturam com a sociedade civil, sobre o mote da defesa dos direitos humanos e liberdades civis. A empresa de análise dos media Graphika, por exemplo, recebeu uma doação de 3 milhões de dólares do Departamento de Defesa dos EUA. Ao mesmo tempo, esta é uma firma que trabalha para a Amnistia Internacional e outros ativistas de direitos humanos.

Se o foco de um sistema militar nacional é a defesa do seu próprio país e, em termos mais latos, a própria guerra, em que medida é que se justifica o seu envolvimento em ativismo humanitário de cariz social e internacional? Não haverá aqui um “desvio moral”, ou seja, uma perigosa incursão dos interesses privados nacionais em questões internacionais de dimensão pública?

3. É, porém, neste contexto que se destaca a coordenação da resposta à Covid-19. Segundo os contratos da Moderna e da Pfizer e os FOIA, libertados por ordem do tribunal, a resposta à pandemia de Covid-19 foi liderada pelo Departamento de Defesa dos EUA, ficando a cargo das farmacêuticas, em última análise, a estatégia de marketing e o subgerenciamento dos ensaios clínicos feito por sub-contratos a outras empresas. Se efetivamente esta interligação se vier a comprovar, ficará claro que a FDA não teve qualquer papel na autorização de emergência das vacinas, uma vez que a resposta Covid terá sido uma operação militar.

Noutras palavras, o chamado “Deep State”, a burocracia profunda dos EUA, terá tido mais poder que o próprio Presidente dos Estados Unidos na resposta a uma aparente ameaça nacional.

4. Então qual o papel da Organização Mundial de Saúde (OMS)? Precisamos da OMS para declarar pandemias e emitir recomendações a serem seguidas a nível mundial. Mas segundo uma investigação dos jornais POLITICO e WELT, a resposta à pandemia de Covid-19 foi, na prática, coordenada por quatro organizações de saúde (a trabalhar em conjunto), que gastaram quase 10 mil milhões de dólares nesse propósito. Tal ação foi realizada sem qualquer escrutínio dos governos e terá ficado, aparentemente, aquém dos seus próprios objetivos.

A Declaração de Pandemia pela OMS em 2020 apanhou os governos ocidentais desprevenidos, em parte pela lenta degradação de respetivos sistemas nacionais de saúde. A Fundação Gates e o Wellcome Trust, juntamente com outras duas instituições privadas de saúde criadas por Bill Gates – a Global Alliance for Vaccination and Immunization (GAVI) e a Coalition for Innovation in Epidemic Preparedness (CEPI) – aproveitaram essa falta de preparação para lançar uma nova abordagem à gestão de crises pandémicas. “O que se seguiu”, relata o POLITICO após dezenas de entrevistas, “foi uma mudança constante, quase inexorável, de poder dos governos sobrecarregados para um grupo de organizações não-governamentais”.

Quando a maioria dos governos ainda debatia sobre a real perigosidade do vírus SARS CoV-a, estas  quatro organização já tinham um plano traçado e pronto a ser executado, estando os potenciais produtores de vacinas identificados. Falava-se em salvação, mas a gravidade da crise em causa nem era objeto de debate.

“Eles usaram a sua influência com a Organização Mundial da Saúde para ajudar a criar um ambicioso plano de distribuição mundial para a disseminação dessas ferramentas Covid (testes, tratamentos e injeções) para nações carenciadas, embora acabassem por falhar em cumprir as suas promessas originais” , publicou o POLITICO.

Estas quatro organizações interconetadas (o Wellcome Trust ajudou a Fundação Gates a criar o CEPI) investiram 10 mil milhões de dólares, desde 2020, na resposta global à Covid. Juntos, eles doaram 1,4 mil milhões para a OMS, o que, segundo funcionários de altos cargos da organização de saúde, deu a eles uma influência semelhante a “um grande poder”.

No entanto, essas instituições gastaram (apenas) 8,3 milhões em lobby, nos Estados Unidos e com vários governos europeus. Essa quantia de dinheiro é, em termos relativos, muito pequena, e estima-se que seja porque a influência deles – assim como a das Big Pharma – sobre esses atores estatais já estava totalmente consolidada muito antes da pandemia.

5. Assim, de acordo com o POLITICO, funcionários dos governos dos EUA, da União Europeia e representantes da OMS “rodaram por essas quatro organizações como funcionários, ajudando-os a solidificar as suas conexões políticas e financeiras em Washington e Bruxelas”. Estas “portas giratórias” são atrativas pois permitem que funcionários de cargos públicos “saltem” para empresas privadas com bonificações muito mais compensatórias, algo que é muito usual nos EUA e até em Portugal.

O POLITICO também entrevistou vários especialistas em saúde pública. Um professor da Universidade de Georgetown, Lawrence Gostin refere: “…deveríamos estar profundamente preocupados…esta é a pior forma de influência…porque o dinheiro não deve ditar a política…mas também porque constitui um acesso preferencial, à porta fechada…”. Um poder como este, continua, “… (é) antidemocrático, porque é extraordinariamente não transparente e opaco… deixa para trás pessoas comuns, comunidades e sociedade civil.”

Não estamos, portanto, diante de um louvável gesto de humanitarismo, mas testemunhamos o mau uso da influência política cultivada ao longo de décadas de lobby, propaganda e desregulamentação empresarial.

6. Em última análise, não está em causa o objetivo final de curar doenças, mas a metodologia. A saúde global, que é em si mesma todo um sistema altamente complexo de múltiplas respostas a múltiplos e diferentes problemas, fica presa a uma perspetiva excessivamente orientada para consumo. Noutras palavras, para teres “saúde” passas a ser obrigado a comprar produtos que uma entidade global não eleita define como e em que condições deve vender.

Num estudo publicado em 2014, a investigadora Katerini Storeng explica que iniciativas público-privadas voltadas para a saúde, como as promovidas pela Fundação Gates, passaram a “dominar a governação global” na sua área, em detrimento de políticas voltadas para o fortalecimento da sistemas nacionais de saúde como um todo. Estas iniciativas público-privadas internacionais têm conseguido orientar os sistemas públicos de saúde para que, agora, apoiem as suas iniciativas específicas, voltadas não para a saúde e o bem-estar geral, mas para doenças específicas.

Como pudemos presenciar durante a pandemia de Covid-19, estas iniciativas conseguem redirecionar os recursos e a atenção dos sistemas nacionais de saúde, como um todo, para o objetivo específico que promovem, deixando tudo de lado e tratando a saúde como se fosse unidimensional e meramente matéria técnica. Os recursos destinados ao cancro, doenças cardíacas e dezenas de doenças foram relegados por meses sem sequer calcular o enorme dano que isso causaria a milhões de pessoas. Dimensões sociais e económicas da saúde – como acesso a especialistas em saúde, água potável e eletricidade e, acima de tudo, à cultura necessária para saber o que significa ter boa saúde – foram negligenciadas em favor da administração de vacinas ou outros produtos farmacêuticos específicos.

No final das contas, todo o sistema nacional de saúde acaba por se assemelhar a uma enorme máquina de distribuição de vacinas (e, mais recentemente, de distribuição de terapias de mRNA). Noutras palavras, uma linha de montagem contínua focada em objetivos massivos de produtividade. Embora se aumentem os recursos destinados à saúde, também se consolida um sistema orientado para negócios privados e soluções técnicas, em detrimento de uma noção de “saúde” mais estruturada e equilibrada, que ultrapasse o mero foco de manter alguém a “respirar”.

7. O Tratado Pandémico e as Emendas ao Regulamento Sanitário Internacional que irão ser discutidas em Maio de 2023 na Assembleia Mundial de Saúde, visam oficializar e sustentar um modelo de negócio criado nos últimos 15 anos, com quaisquer crises reais ou potenciais que ameacem a Humanidade a serem coordenadas por um grupo de especialistas financiados por uma elite resultante da cooperação Big Pharma-Big Tech e o apoio na retaguarda do Deep State Americano. Ou seja, a guerra anda a vender humanitarismo para justificar o facto de não permitir que ninguém se lhe oponha. Kafka deve estar a rir no seu túmulo.

A salvação é sempre um bom produto para se vender a povos desorientados, sobretudo quando está em causa marcar uma determinada posição hegemónica no mundo. O problema é que antes que um meteorito caia no planeta ou sejamos dizimados por um vírus amplificado pelas alterações climáticas, serão os próprios homens a matarem-se uns aos outros pelas paranóias criadas pelas ferramentas tecnológicas que usamos sem qualquer responsabilidade.

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