Em subtítulo do texto publicado no dia 7, perguntávamos «Do século XI? Como é possível?».
O título «A habitação mais antiga de Portugal» chamou de imediato a atenção e tivemos um número ímpar de visualizações: já mais de 10400 pessoas leram esse artigo, escassos cinco dias após a publicação, o que constitui prova do interesse que os temas de história local sempre despertam.
E houve comentários, não apenas de aplauso, mas também – e estes particularmente nos agradaram – de reflexão, em jeito de resposta à pergunta que se fizera: será possível atribuir a esta casa uma data tão recuada?
De caminho, falámos da cerâmica e o Doutor Alberto Tapada, em comentário no Facebook, confirmou: na tese de doutoramento que fizera sobre os barros negros (mormente os de Bisalhães) referiu-se aos oleiros da Queimadela, os chamados «tigeleiros».
Também veio à baila um documento do tempo do Sr. D. Afonso Henriques, o que provocou amável comentário da Dra. Maria Helena Ventura, autora do livro Afonso, o Conquistador, «romance épico sobre o homem que sonhou e fundou o Reino de Portugal», publicado em 2020, e que confirmou a existência das pessoas constantes no documento citado:
«No meu Afonso apresento Soeiro, no índice onomástico, como terceiro filho do “Aio”… mas tanto ele como os irmãos exerceram altos cargos na corte… […] Sem dúvida também que casou com uma Sancha Bermudes de Trava, filha de Bermudo Peres de Trava e de Urraca Henriques, irmã de Afonso Henriques».
E concluiu:
«Reparar num texto destes que descobre uma casa tão antiga e recorda estes nomes, foi para mim emocionante».
Quanto ao topónimo Queimadela, o amigo José Pombo não hesitou em adiantar o que a lenda conta:
«O nome de Queimadela, que bem conheço, fez-me lembrar uma história que terá ocorrido no reinado do imperador romano Trajano (sevilhano, ao que parece, que reinou entre 98-117!…). Para debelar uns “insurretos” de Lamego que se terão insurgido contra os duros impostos romanos, teriam sido enviadas 14 legiões (!…) para arrasar a cidade! Alguns mais avisados terão fugido para localidades dos arredores de Armamar, que foram incendiadas (daí os nomes de Queimada e Queimadela!…). Isto será lenda, História, ou as duas coisas!».
E se Alberto Júlio Silva confessou, ao ver as imagens, «Isto faz-me cá uma tristeza que só… sentida!», Ana Nunes declarou conhecer o lugar, até porque tem entre mãos um trabalho «para executar vai para um ano» sobre este «local incrível!».
E agora a resposta!
Esclarecer-se-á, em primeiro lugar, um pormenor que se omitiu: é que, a ser verdadeira, a data não equivalia a 1086, mas sim a 1083-38 = 1045, porque a era de Cristo só viria a substituir a era de César no reinado de el-rei D. João I, a 22 de Agosto de 1422.
Outro esclarecimento respeita às fotografias apresentadas: numa vê-se a guarnição em madeira, noutra não; mas foi tudo uma questão de ângulos, sem qualquer intenção de induzir em erro. Numa, a madeira ficou à sombra. Aproveitamos o ensejo para agradecer ao proprietário, o Sr. João Carreira (já nonagenário), a permissão das fotos e da publicação.
Aliás, uma das primeiras observações feitas por peritos em história da arquitectura foi a tipologia do ‘arco’ em que a inscrição foi feita:
«A tipologia construtiva e a forma da verga também não é consentânea com a arquitetura medieval» (Sérgio Gorjão).
«Uma verga assim, neste arco abatido, ligeirinho, parece dissonante neste contexto» (José Teixeira).
Depois, foi a questão dos caracteres.
A Doutora Maria Helena da Cruz Coelho, notável medievalista, alertou: «Eu desconfio muito destas antiguidades. A datação nesta época era em algarismos romanos, portanto… há que ter cautelas»..
Paulo sublinhou:
«Nunca se colocaria uma data em algarismos tal como os conhecemos hoje. A datação até tarde foi em numeração romana. Esse registo pode ser antigo e até pode ter uma razão de ser, mas não prova nada».
Manuel Abrunhosa queria saber mais:
«Há outros exemplos dessa caligrafia na suposta época de construção ? Em outras casas de idade subsequente próxima? Em edifícios religiosos, tumulária, estatuária, pontes, castelos…?
O óbvio nem sempre se revela representar uma realidade…»
Foi, porém, o comentário de Sérgio Gorjão, director do Palácio Nacional de Mafra – bem haja! – que nos chamou a atenção para um pormenor:
«Parece-me um equívoco… A forma de grafar os dígitos no século XI não era nada semelhante… A numeração árabe não era usada… Aquele “0” deve ser um erro epigráfico e o mais certo é querer representar um “6”. A tipologia de escrita é muito mais consentânea com a do século XVII».
De facto, se compararmos com a outra inscrição que apresentámos para justificar a leitura do 8, nada nos custa concordar: o pretenso O tem, na verdade, embora quase indistinta a perninha para cima, como o 6 da outra data. Portanto: 1683!
Em conclusão:
Bem razão tínhamos ao perguntar «Do século XI? Será possível?». Não era. Não era, portanto, a «mais antiga habitação de Portugal»; é, porém, a mais antiga, datada, de Queimadela.
Consola-nos, porém, ter dado a conhecer essa povoação, Queimadela de seu nome, freguesia do concelho de Armamar, de muitos ignorada e que ora – mesmo sem termos razão na hipótese levantada – acabou por andar nas bocas do mundo! O nosso modesto contributo para valorizar o interior. Não é habitação do século XI, mas é da 2ª metade do século XVII. Em 1683, curiosamente, morrera D. Afonso VI e D. Pedro IV assumia o título de Rei de Portugal e dos Algarves. A outra casa com data é de quatro anos depois (1687); será que el-rei D. Pedro trouxe novo alento ao País e tal se repercutiu nestas interiores terras beirãs?
Artigo em co-autoria com José Carlos Santos
Desta “discussão” não nasceu a luz, porque o mistério persiste. Mas a investigação é assim mesmo, sempre em aberto aos possíveis e futuros contributos.
Depois é muito importante notar que prevaleceu a elegância dos comentários.
A outra evidência é que, à hora a que escrevo esta nota, o texto alcançou a proeza de mais de 14000 visualizações.
É obra, esta recente…
Não será D. Pedro II, em vez de D. Pedro IV ?
Como leiga que sou, nessa matéria, não querendo, de todo, aspirar a querer discutir o assunto com os conhecedores, o meu olhar de não entendida engana-me, pois me parece um I e um O e não os algarismos 1 e 0. Seria DIO. Mas não, por certo estou errada, porque o D parece ter o E incorporado