O aumento mais preocupante é o dos alimentos. As famílias com menor poder de compra, os desempregados e os pensionistas com reformas baixas, gastam tudo o que têm na alimentação. Não lhes sobra nada. Em muitos casos, nem para medicamentos. Quando o preço dos alimentos dispara, como vão essas pessoas comer? Em Portugal há 2 milhões de pessoas nessas condições.
O preço do pão é o exemplo do que se passa. A guerra na Ucrânia não afeta a importação de cereais, porque Portugal consome cereais da França. Da Ucrânia não vem nada, ou quase nada. E, no entanto, o preço do pão já aumentou bastante. O aumento dos combustíveis não justifica a amplitude do aumento do pão. Mas pode estar a acontecer que os importadores e as panificadoras estejam a combinar preços de modo a engordar lucros. É possível, sim. É o chamado “olho para o negócio”. O trigo tem estado a aumentar nas bolsas internacionais. Na bolsa de Paris, por exemplo, em março o trigo atingiu o preço de 42 cêntimos por quilo, o que significa um aumento de 30% em relação ao mês anterior. O trigo americano subiu 52% desde que a guerra na Ucrânia começou. É apenas oportunismo capitalista. Querem lá saber se há quem vá passar fome.
Salazar e o pão barato
Em alguns supermercados portugueses, o pão mais barato (pão de forma) aumentou cerca de 26% nas últimas semanas. Infelizmente, o Governo parece estar algo desatento a estes fenómenos inflacionistas. As ferramentas para a fiscalização devem ser frágeis, a liberalização da economia impede controlos eficazes, os agricultores já não se dedicam aos cereais. Restaria ao Governo legislar de modo a controlar mais e melhor estes agentes económicos pouco preocupados com a sociedade.
Noutros tempos, esse controlo era feito. Salazar preferiu enfraquecer a pecuária para incrementar nos anos 30 a produção de cereais no Alentejo. Dizem os registos que entre 1931 e 1936 a produção de trigo aumentou consideravelmente. E diz a memória popular que, no tempo de Salazar, o pão nunca aumentou de preço. Era o “pão para a boca” dos pobres. Dizem que o ditador acreditava que enquanto toda a gente tivesse pão para comer, a oposição ao regime não teria apoios populares.
Cantam bem mas não nos alegram
Se as condições de vida dos portugueses continuarem a piorar, vamos ver os salazarentos a argumentar com estas questões. E sabemos bem como é fácil confundir a árvore com a floresta.
O pão é, sem dúvida, de importância primordial. Mas tem de ser barato. Esquecer isto é suicídio político. Os políticos aprenderam isso, com toda a certeza. Se não lhes ensinaram isto nas “jotas” e nas chamadas “universidades de verão”, mais valia estarem quietos.
O hino do PSD começa com “paz, pão, povo a liberdade”. O PS canta “para todos igualdade, na paz no pão e na riqueza, temos connosco a certeza, de lutar pela verdade”. E o Sérgio Godinho tem uma canção que diz “Só há Liberdade a sério quando houver a Paz, o Pão, Habitação, Saúde, Educação…” e quando a coisa dá para o torto, o povo usa a expressão “comer o pão que o diabo amassou”. Veremos ao que sabe.