Quando os culpados são os mortos…

Liberto finalmente o segredo de justiça, Portugal pôde aceder ao despacho do Ministério Público de Évora sobre um acidente em que, versão oficial, terá sido “vitimada” a viatura em que seguia um membro do Governo.

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Ouvidas as testemunhas, e divulgado o resultado das “autópsias” da infausta viatura e os restos do cadáver recolhido nas imediações, tudo indicia serem loas as suspeições levantadas em torno de uma investigação, que estaria a ser conduzida de forma tendenciosa. Pelo contrário, do relatório ressalta a certeza de que os responsáveis máximos, pela nossa segurança interna, apenas se entregam ao “biscate extra de varrer estradas”, em regime de voluntariado.

Nada de surpreendente, num país em que ninguém está acima da lei e nem os mortos escapam ao apuramento das suas responsabilidades na deterioração do erário público, só porque lhes “dá jeito morrer”. Já em 2009, e na sequência de uma fraude na Sub-Região de Saúde de Leiria, duas obscuras funcionárias foram condenadas por, depois de falecerem, terem cometido a proeza de eliminar todas as provas incriminatórias, à guarda dessa Instituição.  

Sem dúvida, também o presente relatório vem honrar as tradições de um Estado de Direito em que, ainda recentemente, um médico-legista se atreveu a sugerir a tese de assassinato dum cidadão estrangeiro, falecido no Aeroporto de Lisboa por “morte natural”. “Ideia delirante” que, neste país de boas contas, logo mereceu grave punição, nunca levantada. Mais uma decisão administrativa exemplar que, certamente, ainda irá merecer reconhecimento público num qualquer 10 de junho.     

A propósito, recordo outro “passarão”, o general Loureiro dos Santos, que, em tempos, ousou questionar a honra e a dignidade das Instituições que jurou servir fielmente. A que terei ainda de somar Almerindo Marques, mais um “caso patológico” que, há meses, já em risco de vida, tomou a iniciativa de prestar um “pidesco” depoimento ao Juiz Carlos Alexandre, outra personagem de perfil “sinistro” que insiste em prestar assistência a esse “doente em cuidados intensivos”, que é o TIC.

Atenta ao “despautério” de Almerindo Marques, a imprensa apressou-se a dar conta de que a sua herança fora arrestada, a mando de um qualquer obscuro juiz. E para não violar o segredo de Justiça, nem sequer foram divulgadas as razões de tão célere e oportuna decisão, tomada poucos dias depois da morte desse “vira-latas”.

Enfim, curvemo-nos perante mais uma assinalável ação pedagógica da Justiça, esta exercida sobre os familiares de um “tresloucado” que, antes de sair do mundo, entendeu macular gestores públicos acima de suspeição, miseravelmente envolvidos em processos judiciais ainda em curso, enquanto outros, por falta de fundamento, até já mereceram justa prescrição. Corrupção em Portugal? Como é possível tal atoarda, se até alguns dos mais altos responsáveis pela nossa magistratura negam tal fantasia?

O relatório de Évora, alegadamente retido durante meses em segredo de justiça, devido a criteriosas investigações, deixou-me, no entanto, uma pertinente dúvida. A que velocidade seguia o “peão” para, literalmente, ter ficado com a bacia estilhaçada e o abdómen pulverizado, mesmo depois da comitiva oficial ter buzinado e travado à distância, perante o seu visível atropelo à livre ocupação rodoviária?

Perante tais evidências, não há argumentos. Depois desta investigação, em que até a matéria fecal derramada foi objeto de suspeições e perícias nunca vistas, sinto-me obrigado a proferir um ato de contrição. É que, tendo reagido de forma irrefletida em tempos idos, entendo ser minha obrigação retratar-me e pedir solene desculpa a quem, tão afanosamente, vela pelo bom funcionamento das nossas Instituições.  

Eu pecador me confesso, em 2015 entendi participar numa campanha eleitoral para a Presidência da República, onde envolvi uma “fortuna” de vinte mil euros, mais IVA, sem subvenções oficiais e “escandalosamente” suportada por familiares. Uma ação cívica que entrou em choque com o normal funcionamento do Estado de Direito, sendo merecedora do devido escrutínio por parte das autoridades competentes: ao caso o Tribunal Constitucional, reconhecidamente o órgão com maior competência e isenção para analisar as contas das candidaturas a cargos políticos… e não só.

Suportada numa gestão financeira interna à prova do próprio Tribunal de Contas, e no apoio de um gabinete privado que, entretanto, substituiu tal “aberração”, depressa o constitucionalíssimo tribunal registou uma longa série de desconformidades, irregularidades, ilegalidades e até criminalidades, na minha candidatura.

Fruto desse afã, mais de quatro anos depois, a 28 de janeiro de 2020, e conforme então publiquei sob o título “Venho dizer-vos que não tenho medo”, calhou-me ser chamado à sede da PSP, de Leiria. Atendido de forma muito “profissional”, como então descrevi e poderei reproduzir se tal for julgado conveniente, aí fui informado que me fora concedido o “privilégio” de ser constituído arguido num processo-crime, com “direito a termo de fixação de identidade e residência”, caso não optasse por “não desistir dos meus direitos cívicos e políticos”, durante alguns anos.

Alegadamente, teria cometido vários crimes ao apresentar a declaração obrigatória de rendimentos e de património exigível no exercício de cargos políticos, uma “investigação” que ainda hoje prossegue com inquéritos, inquirições, processos e coimas em que me envolveram, bem como terceiros que me são próximos.

Tendo, de início, dispensado advogados, postura que adoto desde os “saudosos” tempos da PIDE, só dias depois tive conhecimento de que tal processo já correra anteriormente, no DIAP de Lisboa, tendo sido arquivado por “falta de provas”. No entanto, e aparentemente com base em mais um “credível” email anónimo, o Tribunal Constitucional entendera proceder a nova investigação e decidira até tomar medidas cautelares de precaução, dado o meu sério risco de fuga.    

Dotado à nascença de “mau feitio”, decidi então declinar o “simpático” acordo que me foi proposto e optei por “iludir” a Justiça. Uma decisão ignóbil e de que agora me arrependo porque, embora nunca tenha auferido de um cêntimo na prestação de cargos públicos, só grosseiras falhas na investigação podem justificar uma nova “amnistia”, por acaso concedida logo a seguir às eleições presidenciais, de 2021. As “provas” eram tão flagrantes, e a devassa a toda a minha vida foi tão flagrante, que só podemos concluir que, longe de ser inocente, a sorte protege os audazes.

Há que reconhecer, contudo, que em Portugal nem os mortos escapam à Justiça.  Safo desta vez, mas com a Justiça em crescendo de competência, quem sabe se um qualquer dia, até já depois de morto, não serei alvo de melhor investigação? 

Talvez só então, e não se admirem muito, sejam finalmente encontrados os esqueletos que, astuciosamente, se encontram enterrados no meu quintal.

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