Comecemos pela duração dos contratos de trabalho. Gostava de saber quem consegue fechar um ano civil tendo emendado um contrato precário atrás do outro, sem períodos de desemprego ou com poucos dias de intervalo entre estes. Porque a esmagadora maioria dos contratos propostos nos portais de procura de trabalho são de curta duração: duas semanas, um mês, mês e meio a dois meses; claro, sempre com a “perspectiva de continuidade” que acaba por não se concretizar (sei-o por experiência própria).
“Quem precisa tem de andar” lá diz o povo, mas o mesmo povo esqueceu-se de avisar certas mentes iluminadas de que uma pessoa com várias experiências destas no currículo não é uma má pessoa “que não pára nos empregos”, mas se calhar alguém que os empregos/empresas não sabem valorizar e querer manter na equipa. Sem falar na profusão de empregos precários a recibos verdes, o que por si só dava não uma crónica mas uma tese académica; em certos trabalhos, o trabalhador “empresário em nome individual” acaba a trabalhar para o mesmo Estado que não se maça a tentar acabar com estes abusos…
No cômputo do regime horário, é no mínimo curioso ver ofertas de emprego que à partida são um desafio que leva o seu tempo a propor “part-times” de duas, três horas, ou até seis ou sete. Isso mesmo: sete. E isto em trabalhos que acumulam tarefas umas atrás das outras cuja experiência me permite afirmar que, obviamente, vêm aí horas extras que não serão pagas nem recompensadas com folgas.
Nos requisitos que esses anúncios solicitam, está para surgir uma explicação lógica para tanta esquizofrenia: anúncios que pedem o 12º ano para logo a seguir exigirem conhecimentos aprofundados em três ou quatro programas informáticos (quase sempre de contabilidade e facturação, mesmo que o anúncio seja apenas para recepcionista ou administrativa), carta de condução com viatura própria (quando se junta à exigência de orientação para o cliente e vocação comercial, isto significa que o/a trabalhador/a tem de andar a fazer prospecção ou visita a clientes com a própria viatura e pagando as despesas do próprio bolso…), autonomia e multitasking (mas atenção que as chefias podem confundir autonomia com o “passar por cima de hierarquias”, o que cai mal na mentalidade do patrão), disponibilidade imediata (mesmo que a empresa demore a responder semanas à candidatura da pessoa), experiência mínima de dois a cinco anos nas multi-funções preconizadas pela empresa (com a exigência do limite de idade que é praticada, querem alguém que começou a trabalhar aos quinze anos no mínimo…), licenciatura ou mestrado muito específicos, mesmo que depois ouçamos na entrevista de emprego que temos demasiada formação ou esta é demasiado específica; ou mesmo boa/excelente apresentação. Esta última é-me enigmática: isto significa que quem não se vista conforme a última moda ou nas lojas mais dispendiosas não é digno/a de um trabalho?
As empresas acham que todas as pessoas, mulheres sobretudo, dispõem de um Fundo De Emergência Para Vestuário e Cuidados de Imagem no valor de várias centenas de euros, para se assemelharem aos surreais ditames de estética e beleza impostos sem descanso pelos veículos de propaganda do costume? Quererão as empresas pagar-nos para isso, quando na esmagadora maioria das propostas de emprego pagam o salário mínimo em valor bruto e de má vontade, o qual terá de servir para o sustento mensal de uma casa?
Já nem entro pela cada vez mais descarada discriminação etária, ou seja, o famoso “a partir dos 35 anos é-se velho para trabalhar”, que sim, é exercido; veja-se pelas empresas que só querem contratar pessoas através dos Estágios do IEFP, os quais, como sabemos, têm um limite de idade.