A PSP e a Democracia

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Pintar os lábios de vermelho é a expressão de repúdio perante a política rasca e brejeira de um político da extrema-direita, mas é fácil. Nestes dias de brasa, em que vemos os ovos da cobra começar a eclodir, lembramo-nos de gente que teve outro tipo de atitude e que enfrentou a besta de forma corajosa.

Quando a extrema-direita controlou e manipulou uma manifestação de polícias em frente à Assembleia da República, um dos agentes que lá estavam a garantir a inviolabilidade da casa da Democracia disse: “Senti nojo. Houve um assalto de Ventura à manifestação, o que não é admiração para ninguém atento”. Quem falou assim foi Manuel Morais, agente da PSP há 30 anos, que trabalha no Corpo de Intervenção e foi vice-presidente da Direção Nacional da ASPP, o mais antigo sindicato de polícias em Portugal. As declarações que acabámos de citar valeram-lhe um processo disciplinar movido pela direção nacional da PSP. 

fotografia do Facebook de Manuel Morais

Em 2019, foi afastado das funções sindicais por pressão de polícias racistas quando decidiu denunciar a situação de segregação e abuso de violência que grassa na corporação. No sindicato ninguém teve peito para o defender. É plausível que a mesma pressão que levou Morais a sair da ASPP se faça sentir nas “casernas” da polícia, de modo igual.

Mas Manuel Morais resiste e, como sabemos, resistir é vencer. Quando foi corrido da associação sindical, Morais disse: “Sou demitido porque penso, porque sou um cidadão livre”, mas acrescentou que não seria assim que o vergavam. “Não recuo um milímetro. Vou continuar a minha luta fora da ASPP. Nunca irei desistir daqueles que são as grandes linhas da minha vida: uma sociedade e uma polícia melhor! Serão os meus objetivos até ao último dia da minha vida”.

Não se pense que a denúncia que abalou a corporação foi fruto de um ímpeto. Não tinha sido a primeira vez que este homem da polícia denunciava o racismo. Já o tinha feito antes em entrevistas ao Diário de Notícias e à TSF e, por escrito, numa tese de mestrado em Antropologia, a área dos seus estudos académicos.

fotografia no Facebook de Manuel Morais

Em junho de 2019, num discurso perante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Manuel Morais reafirmou tudo o que já tinha dito antes sobre racismo no seio da polícia e apresentou aquilo que poderia ser a solução para travar o avanço da extrema-direita na PSP e noutras forças de segurança e Defesa Nacional.

“É urgente remodelar os programas das escolas de Policia, escola de formação de agentes e Escola superior de Policia, enriquecendo-os com uma componente de formação em humanismo, elaborada, fora da policia, por especialistas qualificados com objetivos bem determinados. É necessário detetar através dos psicotécnicos, gente que não preenche os requisitos mínimos em termos de respeito pelo próximo e não permitir a entrada neste tipo de organizações e por ultimo monitorizar os elementos que nas suas “paginas”, nas suas atuações, demonstrem claramente sentimentos de ódio e desprezo por outros seres humanos. Não merecem a confiança do povo, do governo, e não devem exercer este tipo de profissões.”

Foi há quase dois anos. Não sabemos se alguma coisa mudou, desde então, mas a perceção é que está tudo na mesma. O que é estranho, porque uma Democracia não é compatível com corporações de defesa e segurança infiltradas por elementos fascistas.

3 COMENTÁRIOS

  1. A PSP tem excelentes profissionais. Fiz várias reportagens sobre casos de polícia e também sobre os muito-premiados GOEs. Conheço a PSP desde o tempo do Chefe Costa, do Comissário Serra, entre outros bons homens de quem tenho saudades.
    Mas as suspeitas levantadas têm fundamentos visíveis.
    O SIS tem informações nesse sentido.
    É um alerta que já vem do tempo de Ladeiro Monteiro.
    Magina da Silva será o homem indicado para impor a ordem na PSP.
    Ser pela ordem não é uma questão de esquerda, direita ou centro. É ser pela Lei, com firmeza e contenção. É também não retirar os legítimos direitos, nem aos policias, nem a ninguém, como AV propõe no programa do seu partido. Leiam o programa.

  2. Quando nos deixamos adormecer em democracia, corremos um sério risco de acordarmos em ditadura.
    Manuel Morais , um cidadão exemplar, um policia que teima em não se deixar adormecer, por forma a manter-se permanentemente vigilante na defesa dos legítimos direitos e interesses de todos os profissionais das forças e serviços de segurança e sempre na primeira linha no apoio e protecção aos mais vulneráveis.
    Houvesse mais policias desta estirpe e estou certo de que teriamos melhores Forças de Segurança e polícias com mais direitos.
    Um forte abraço ao Manuel Morais

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