O volta-atrás dos deputados socialistas na votação sobre a residência alternada de filhos, demonstra a nossa dificuldade em gerir o dia-a-dia na área dos afetos e também a causa das coisas. As mães continuarão assim a manter as preferências dos Tribunais de Família, quando atribuem a guarda dos filhos. Bom seria a igualdade parental, puxada pela residência alternada. Era o fim do matriarcado, fonte de enormes problemas e até de mortes e suicídios. Se a norma primeira fosse a residência alternada, seriam evitadas grandes guerras e o arremesso de crianças entre pais desavindos. Assim, não. A mulher tem quase a certeza de ficar com as crianças e, por arrasto, com a morada de família, por causa da residência não alternada.
O divórcio de um casal é um ato brutal para os filhos, sobretudo quando são menores. A sua tristeza é enorme. Mas tal não evita a ligeireza com que se pede o divórcio em Portugal e a facilidade do tratamento do assunto pelos juízes.
Não existe um número exato, mas há indicadores da taxa de divórcios ser superior a 66 por cento, em Portugal. Um amigo meu belga perguntou-me se os portugueses estariam já todos divorciados. Uma graça. Na verdade, basta um simples SMS para se pedir o divórcio. E se o divórcio for litigioso, é suficiente dizer que o outro é preguiçoso ou desarrumado. Ou porque gosta de comer bifes com batatas fritas, como me afiançou, com ar sério, uma comadre quando me contou que tinha pedido o divórcio. E temos logo matéria para o réu pagar 612 euros de taxas de Justiça pelo divórcio e mais 620 de taxas para o julgamento “fingido” sobre a morada de família.
O resto será um passeio de duas manhãs pelo Tribunal. Desfilará um rol de testemunhas nunca vistas, dizendo barbaridades e perjúrios, que o juiz escuta com enfado.
O pai-de-todos fala em Tribunal
Os Tribunais de Família, em regra, servem apenas para o juiz fazer de pai-de-todos, dando umas desnecessárias lições de moral e conduta.
As testemunhas dizem barbaridades? Não importa. Trazem ao julgamento coisas desconexas e colaterais? Não interessa. Fazem acusações graves sobre a orientação cívica ou sexual dos réus? Não interessa! Afinal interessa o quê? Alguns juízes gostam de ouvir as crianças, muitas vezes levadas ao engano, manipuladas. E pronto, está feito. Porque o divórcio já era facto assente.
Pagam-se com língua de palmo aquelas duas manhãs que apenas servem para lavrar a sentença da entrega das crianças às mães, mais o pagamento da pensão de alimentos, a perda de morada de família do progenitor e o fixar de residência dos filhos na casa agora da progenitora.
Os juízes em Tribunal aproveitam para admoestar, gritar e apoucar os réus. E podem até dizer uma coisa numa sessão e depois sentenciar em contrário. E valem-se do superior interesse das crianças para não deixarem as”escandaleiras” serem presenciadas por terceiros.
O volta-a-trás na residência alternada
A reviravolta dos deputados socialistas já era previsível, porque talvez tinham andado a “contar espingardas”. Os socialistas queriam a residência alternada como regime preferencial. Mas os sociais-democratas terão imposto uma redação diferente. Ficou assim: o tribunal “pode determinar” a residência alternada do filho, “independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação de alimentos. Claro, no caso deste regime “corresponder ao superior interesse da criança” e “ponderadas todas as circunstâncias relevantes”
No caminho natural da residência alternada, tínhamos de um lado os conservadores, apoiados por uma facão doutrinária do Centro de Estudo Judiciários (CEJ). Do outro lado, a outra ala do CEJ conotada com um certo arco-íris. Tem sido sempre assim.
Os deputados pesaram e voltaram atrás. Por causa de uma parte da Igreja Católica. Que é retrógrada. Que se deixa fotografar em grande gosto com o líder do Chega, a direita autoritária. E talvez também por causa de algumas estruturas de lares, que vêm alegadamente na alteração das leis uma ameaça à sua sobrevivência.
Pai tratado como cadastrado
Com o volta-a-trás ficámos na mesma. E ninguém quis ver o Centro Vitae, erguido por António Roseiro, onde a maioria dos utentes são homens. Perderam a família, a casa e contacto diário com os filhos.
Todos os dias saem pelas 9 para trabalhar e regressam pelas 17 horas. Têm direito a um banho, roupa lavada e a uma tarimba para dormir, porque não conseguem pagar 300 euros por um quarto.
Quando fiz uma reportagem sobre este centro, 252 utentes eram homens e 6 utentes eram mulheres. António Roseiro explicou-me ser este era resultado, em parte, das sentenças dos Tribunais de Família. Já faleceu, era um homem justo e de bons costumes. Ajudou muitos homens que são acolhidos num gigantesco barracão dividido com paredes de tijolos, em quartos de dois beliches.
Os senhores deputados deveriam ter visitado os centros que acolhem homens que tinham família, para responderem a uma simples pergunta: como pode um pai conviver com os filhos naquelas condições? Ah! Já sei a resposta. Janta às quartas-feiras com os filhos no McDonalds. E no fim-de-semana, de 15 dias em 15 dias, vai com eles à Praia de Pedrouços, em Lisboa. Ou à da Foz, no Porto, de Buarcos na Figueira da Foz, da Barreta em Faro. Ouvi a solução da boca de um conhecido advogado com ares de juiz. Em boa verdade, um pai é tratado como um cadastrado a quem lhe dão umas horas de luz no pátio.
A questão radica logo na residência não alternada, que lhe faz perder a morada de família. E esbater a ligação aos filhos, porque as mulheres continuam a ter o privilégio de ficarem a guarda dos filhos, não se sabe porquê. Este tema faz parte do labirinto da Justiça portuguesa. Mas os deputados voltaram atrás. E o Governo? O Governo já tinha aumentado o teto salarial dos juízes.