Os vícios do regime são o argumentário do Chega e estão a fazer aumentar o desinteresse do povo pela governação democrática. O Chega funciona como o jornal Actualidades do regime de Salazar e faz parangonas propagandisticas com esses casos.
Um dos vícios reside na aplicação de Justiça. Os tribunais são tão lentos que às vezes nem se nota que estão a funcionar. O “caso Rangel” é um exemplo.
O caso do juiz Rui Rangel, acusado de grossas embrulhadas, ia provocando a derrocada do sistema judicial português, não tivesse sido acordado um silêncio tácito de cima a baixo, incluindo advogados.
O juiz Rui Rangel e a sua mulher foram acusados de manipularem de forma grosseira sentenças, coisa nunca imaginada por ninguém em Portugal. Pior, não conseguiram justificar os carros e outros sinais de riqueza que não são raros em Portugal.
O Caso Rangel envolve clubes de futebol, políticos e o resto que os portugueses se habituaram a ver “encaldeirados”. As várias corporações judiciais emudeceram e Rangel ainda conseguiu voltar ao exercício das suas funções, até que finalmente o afastaram.
Perante isto, o mais anónimo português abriu a boca, mas fechou de imediato quando soube que estavam implicados dois juízes Presidentes do Tribunal da Relação. Pior, percebeu-se que a execução dessas sentenças à medida necessitava de outros juízes. Os nomes desses coniventes não foram ainda divulgados.
Marinho e Pinto, quando foi bastonário, alertou para os maus passos da Justiça e apontou as amizades radicadas no Centro de Estudos Judiciais. Deram-lhe o rótulo de justiceiro. E ele fez jus ao sistema e foi para Bruxelas fazer o mesmo que a classe política faz.
Marinho e Pinto também denunciou as custas de Justiça, que passaram a impedir os portugueses de recorrer aos tribunais.
Claro, reduziram-se as pendências, coisa muito conveniente para o trabalho judicial e para os ministros da Justiça. Em rigor, menos trabalho e a mesma receita. O povo não gostou.
Tiraram o pio ao denunciante
Neste caldeirão a transbordar de maus casos, falemos de Arlindo Marques, o guardião do Tejo, que perdeu o pio por causa de um processo anedótico.
O corajoso guardião do Rio Tejo levou com um processo da empresa que polui o Tejo, por danos à imagem causados a essa mesma empresa, por via de ter revelado o nome do poluidor. Ou seja, uma coisa era poluir o rio, outra seria tornar público o nome do poluidor.
Por causa desta graça interpretativa da Justiça, Arlindo Marques foi notificado para depositar 20 mil euros como réu, num processo movido pelo poluidor.
Arlindo Marques teve, então, a ajuda de várias caixinhas de cartão, colocadas nos cafés do concelho de Mação e arredores, onde todos puseram moedinhas. O seu magro ordenado de guarda prisional não lhe permitia cumprir com as decisões do juiz. E o Povo não gostou.
Valeu-lhe ainda, e sobretudo, Carlos Alexandre, a quem o povo chama “super-juiz” – que se ofereceu como primeira testemunha abonatória de Arlindo Marques. E o processo perdeu logo o fôlego.
A estes dois exemplos, junta-se ainda o “caso Neto Moura”, juiz que agora assina como Joaquim Moura e que, num acórdão, censurou uma mulher, vítima de violência doméstica, minimizando o crime de que ela foi vítima, por esta ter cometido adultério. E o Povo voltou a não gostar.
A vida dos povos depende dos governos e da Justiça. Sem Justiça não há dignidade, nem atividade económica, nem investimento interno e externo. As pessoas querem ver celeridade na Justiça, transparência e rigor na sua aplicação.
Caso contrário, até parece que querem empurrar as pessoas para votar no Chega, partido que tem o ideário de voltar aos tempos da ditadura salazarista e que, mesmo arvorando-se em combatente contra a corrupção na classe política, nunca esclareceu cabalmente como surgiram milhares de assinaturas falsificadas e adulteradas que apresentou no Tribunal Constitucional no processo de legalização. Também aqui o Ministério Público disse ir investigar, mas até hoje sem resultados nem explicações públicas.