VIOLÊNCIA POLICIAL E OUTROS ILÍCITOS EM PORTUGAL

UM PROBLEMA ESTRUTURAL QUE SE ARRASTA

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imagem representativa da crónica, alterada graficamente

A detenção de dois agentes da PSP na semana que agora termina, suspeitos de tortura a detidos em esquadras de Lisboa, traz à tona uma ferida antiga da sociedade portuguesa. Casos de violência policial são recorrentes, não se trata de casos isolados, nem de desvios de conduta pontuais. É um padrão de abusos que se eterniza no tempo, muitas vezes com a complacência institucional e o silêncio político. Por exemplo, outros três polícias condenados por torturas da esquadra de Alfragide em 2015 continuam ao serviço da PSP.

O relatório 2024/25 da Amnistia Internacional, divulgado em maio, confirmava já o que muitos já denunciam há anos: Portugal continua a falhar no combate a práticas abusivas no seio das forças de segurança. Entre os casos mencionados, por ser mais recente, destaca-se o homicídio de Odair Moniz, cidadão afrodescendente de 43 anos, alvejado mortalmente por um agente da polícia, sem que representasse qualquer ameaça. Estava desarmado, rodeado por vários polícias, e mesmo assim foi abatido a tiro.

Mas Odair não foi o único. Imigrantes e cidadãos racializados continuam a ser desproporcionalmente visados por ações policiais violentas — abordagens intimidatórias, detenções arbitrárias, espancamentos dentro de esquadras e um uso desproporcionado da força. As denúncias acumulam-se, os relatórios sucedem-se, mas a mudança estrutural tarda. A cultura de impunidade permanece.

O problema não se esgota na brutalidade física. Há episódios de censura ao direito constitucional de manifestação, com protestos pacíficos impedidos sem justificação legal. Há relatos de revistas abusivas e humilhantes a mulheres detidas. E há, sobretudo, um padrão: a atuação policial deixa frequentemente de ser um instrumento de proteção da cidadania para se tornar um mecanismo de controlo e repressão, sobretudo sobre os mais vulneráveis.

Um outro caso recente, a ação policial no dia 19 de dezembro de 2024, quando foram revistadas pela PSP 66 pessoas na rua do Benformoso, na zona do Martim Moniz, em Lisboa, onde vivem e trabalham muitos imigrantes. Dezenas de pessoas permaneceram viradas para a parede e de braços ao alto durante duas horas. Um inquérito realizado pela Provedoria de Justiça teceu críticas à atuação policial, uma vez que a lei proíbe a realização de “procedimentos de revista tendo por base critérios discriminatórios”, os visados não foram informados pelos agentes da PSP sobre o motivo pelo qual estavam a ser identificados e revistados e o “espetáculo” foi televisionado, uma vez que “foi chamada, pela PSP, a comunicação social”, diz a Provedoria.

Procedimento ilícito da PSP na rusga da Rua do Benformoso, em Lisboa, diz a Provedoria de Justiça

A democracia portuguesa não pode continuar a ignorar estes factos. O que está em causa não é apenas a conduta de alguns agentes, mas a credibilidade das instituições e o respeito pelos direitos fundamentais. Se o Estado falha em garantir que a polícia atua dentro da lei, então é o próprio Estado de Direito que se desmorona.

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