As pesquisas científicas são lideradas por duas instituições russas de reconhecida capacidade, segundo consegui saber, o National Medical Research Radiological Center e o Engelhardt Institute of Molecular Biology. O medicamento está a ser testado em humanos, as notícias falam em algumas dezenas de pacientes envolvidos. Não há ainda confirmação oficial de aprovação para uso clínico generalizado.
Fala-se em resultados muito promissores – remissões completas em vários doentes – mas os dados ainda não foram publicados em revistas científicas de revisão por pares (passo fundamental para o reconhecimento do avanço científico). Ou seja: as alegações de eficácia permanecem por validar de forma independente. É esse vazio que sustenta a cautela ocidental.
Sem uma verdadeira partilha de dados com cientistas de outras geografias, esta promessa russa não será considerada até prova irrefutável de que o medicamento funciona. Normalmente, este género de medicamentos levam anos a serem testados, terá de haver um número elevado de doentes a servir de cobaia e dados rigorosos sobre a duração do efeito desta nova droga e sobre possíveis efeitos adversos.
Já no outro lado do mundo, a informação tem circulado sem rodeios. Na Ásia, a Rússia não é um “papão”.

Cancro: uma só palavra, muitas doenças
Um ponto essencial, muitas vezes ignorado, é que não existe “o cancro” no singular. Há centenas de variedades de tumores, cada um com mutações e comportamentos próprios. Isso significa que dificilmente haverá um tratamento único e universal, o que significa que o medicamento terá de ser feito à medida de cada um dos doentes. O EnteroMix será, então, uma espécie de “plataforma terapêutica” base, a partir do qual o laboratório poderá “desenhar” a droga certa para combater determinado cancro.
Talvez isso explique o número reduzido de pacientes envolvidos nos ensaios. Serão apenas 48, segundo dados publicados acessíveis na rede Telegram. Também isso ajuda a explicar a falta de publicações científicas robustas: os resultados obtidos não deverão ser generalizáveis a todos os tipos de cancro.


Embora muitos artigos consultados refiram o Enteromix como “vacina”, deverá ser um erro, uma vez que se trata de um medicamento pós-diagnóstico, ou seja, um medicamento terapêutico de tratamento e não de prevenção.
A dimensão política e o business
É impossível ignorar o contexto geopolítico. Desde sempre, a Rússia é vista com desconfiança pelo Ocidente. O precedente da vacina Sputnik V contra a Covid-19 mostrou como um anúncio científico russo pode ser embrulhado no Ocidente como propaganda política.
O resultado é um paradoxo: se a inovação fosse europeia ou americana, dificilmente não teria conquistado primeiras páginas em todo o mundo; sendo russa, é recebida como alegação a confirmar.
Ainda assim, não deixa de ser relevante sublinhar: se EnteroMix ou outra fórmula semelhante cumprir o que promete, estaremos perante a maior vitória médica das últimas décadas. O cancro, essa doença quase sempre impiedosa, poderá deixar de ser uma sentença. A Rússia, tantas vezes associada a guerra e confronto, passaria a associar o seu nome a uma esperança global.
É provável que os investigadores russos estejam, de facto, a aproximar-se de uma rutura tecnológica que pode quebrar a invencibilidade histórica do cancro. Mas enquanto não houver publicação científica robusta, resultados replicados e aprovação transparente, o mundo manter-se-á dividido entre o desejo de acreditar e o receio de ser enganado.
Claro que os grandes laboratórios de medicamentos, o grupo conhecido por Big Pharma, a maioria americanos e alguns europeus, vão tentar controlar o prejuízo se surgir um medicamento contra o cancro bem sucedido que não seja desenvolvido por eles. E o primeiro passo será negá-lo, o segundo passo será vilipendiá-lo e o terceiro será proibi-lo.



