O PAÍS REAL

Claro que sou de Letras, mas uma perita em economia doméstica. Isto para dizer que os políticos, nos seus gabinetes, querem ignorar o País real, aquele que luta todos os dias para viver ou sobreviver.

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foto de Miguel A. Lopes alterada com grafismo

Vi na Televisão uma senhora perguntar ao Primeiro-ministro se viveria com 600 euros por mês. Respondeu ele que este Governo aumentou as pensões. Sim, por pressão da oposição. E, ainda assim, um aumento que não impediu, diante do custo de vida, que os pensionistas se mantivessem no limiar de pobreza. Os 600 euros que a senhora recebe devem servir para o PM pagar um almoço de família… Sim, porque se esta senhora quiser convidar os netos para almoçar, por exemplo, lá se vão os medicamentos ou a comida da semana seguinte.

Também os escalões intermédios do IRS, criados recentemente, levaram a que quem recebia mais e desceu de escalão, passou a receber ainda mais; quem se manteve no escalão e recebia menos, continuou a receber menos… Os aumentos de pensões, do mesmo modo, continuaram a beneficiar quem mais recebia.

Por outro lado, os apoios a quem mais precisa continuam a ser cortados: ele é o abono de família, os apoios sociais por deficiência a serem suspensos, as rendas de casa, e por aí fora.

Tenhamos em conta, por exemplo, um funcionário de uma empresa camarária que, não sendo funcionário público, mas fazendo serviço público, supostamente lhe é equiparado. A diferença é que os funcionários públicos tiveram aumentos. Os daquelas empresas não tiveram e, no caso de Lisboa, Carlos Moedas assim providenciou. Uma família que recebesse apoio à renda por parte do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), não tendo aumento de ordenado, mas sim aumento de renda, por força da ‘taxa de esforço’ deixou de receber o apoio. Não faz sentido? Claro que não. Se não teve aumento de ordenado precisaria muito mais do apoio do IHRU. Mas perdeu-o, porque quem ganha 1000 euros não pode pagar uma renda de 800 euros em Lisboa. Resultado: mandaram um cidadão ‘ir viver para fora da capital’, naturalmente ignorando as rendas que se pagam nos arredores e que o contrato de arrendamento não é recente. Como se os cidadãos não fossem livres de viver onde querem ou não tivessem filhos e, naturalmente, a dificuldade em mudar uma família inteira. Tudo isto acrescido do verdadeiro escândalo que é a penalização das famílias monoparentais. Estas ainda recebem menos.

Acresce que, no ano passado, muitos apoios da Porta 65 (apoio à renda) não foram pagos. Dizem que houve ‘um problema informático’ e vão agora pagar com retroactivos. Estou para ver. Outros houve que ainda estão à espera. E com o que viveram estas famílias? Foram ao supermercado e puseram na conta do Governo?

Outra verdadeira anedota é o que se passa na saúde com as parcerias público-privadas. Supostamente recorre-se a um hospital privado porque o SNS não tem capacidade de resposta a uma cirurgia urgente. Esta é, então, marcada e na véspera ligam ao paciente a adiar a operação porque não há enfermeiros no bloco operatório…

São estas algumas das contas que os políticos não fazem ou não querem fazer, em obediência a outros interesses económicos.

Pacheco Pereira, num artigo recente sobre as ‘tropelias’ do PM no caso Spinumviva, que levou à queda do Governo e a novas eleições, escreveu que a análise do mesmo ‘permite olhar para os “centros de influência” existentes na democracia portuguesa, na advocacia, na consultadoria, nas agências de comunicação, nos partidos políticos, autarquias, gabinetes de ministérios e governos, na administração pública e nos poderes fácticos, seja do futebol à Igreja’.

E acrescenta que ‘quem manda muito em Portugal não são muitas vezes os detentores de cargos formais, ministros, deputados, autarcas, mas esse círculo que actua nos gabinetes, que exerce o poder de escolha para cargos relevantes ou, ainda melhor, tem o poder de veto (…)’.

Os breves exemplos dados neste texto e a citação de Pacheco Pereira demonstram cabalmente que os governantes, voluntariamente, se divorciam cada vez mais da realidade.

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