Afinal, a minha cidade tem gente!

É célebre George Gershwin por, em 1924, ter composto a sua Rhapsody in blue, uma rapsódia em azul. Paulo Ossião pinta de azul os céus e o casario da sua geométrica cidade. Desta vez, porém, ousou penetrar num prédio de apartamentos e – pasme-se! – viu gente a conversar!

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«A Minha Cidade» é o título da exposição de 28 aguarelas que Paulo Ossião trouxe à galeria do Casino Estoril. Patente até 9 de Junho.

Senta-se o pintor, em mui religiosa contemplação, diante da majestade da Sé Catedral ou do Panteão, ambos a dominarem as casas de linhas sempre mui rigorosamente direitas. Mas, fundamentalmente, encantava-o o azul do céu. As casas ficavam em baixo. E mesmo quando, ao longe, via a Torre de Belém, o Tejo azul ficava em primeiro plano e a torre recortava-se, além, perdida no horizonte.

Quando nos aproximamos de Lisboa vindos do Alentejo é que descobrimos que, afinal, agora já não é tão azul o céu de Lisboa como Paulo Ossião o pinta. O azul do Alentejo, o azul do céu do Alentejo é muito mais brilhante, muito mais emocionante e, em Lisboa, começa a estar já mesclado de cinza.

Sabemos quanto o turista se deixa seduzir por essa claridade ímpar que a cidade ainda consegue ter; sabemos como a rigorosa quadrícula imposta à Baixa em tempo do senhor Marquês de Pombal influi na imagem da nossa Lisboa.

Encanta, de facto, a imponência da Sé; a altivez do Panteão, o verde vigilante do castelo. Mas – perdoa-me, Paulo! – encantou-me agora, nesta exposição, aquele quadro que o Pedro estrategicamente colocou em recatado relevo: o da revelação de que, em cada apartamento desse prédio de vísceras à mostra, havia pessoas a falar umas com as outras. Sem telemóveis!!!

Não, não foi durante o apagão. Foi antes! Porque já antes se sentia a necessidade de haver um apagão para que as pessoas voltassem a sorrir umas para as outras sem ser através de emojis; voltassem a falar, a abraçar-se e a beijar-se, sem ser através de emoticons!… Abençoado Paulo!

Galeria de Arte do Casino Estoril, exposição de Paulo Ossião

1 COMENTÁRIO

  1. Gostei muito deste texto, como gosto da pintura de Paulo Ossião, embora nunca lho tivesse dito no FB porque está, pelo menos estava, na minha lista.
    É verdade que um espaço virtual não será o mais indicado para transmitir o retorno da cada apreciação, mas é bem útil para ajudar a publicitar as obras de artistas e escritores com pouco espírito mercantil.
    O quadro em “destaque” parece uma banda desenhada em que tem de haver coerência interna. Tanta como o facto de, em cada lar, não ser costume as pessoas comunicarem por telemóvel da sala para a cozinha.
    Quero dizer: de facto é possível os indivíduos que não estão muito afastados, arranjarem forma de revelar o retorno de viva voz (e lá chegaremos um dia…) mas não podemos negar as vantagens do telemóvel em emergências inesperadas.
    O melhor é ir ver a exposição e saber o que propõe o artista.
    Para o autor do texto, um grande abraço.

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