Sempre tive uma curiosidade pelo desconhecido. Não é, pois, de estranhar que, por volta de 1961 ou no ano seguinte, a bisbilhotice me tenha levado a visitar as grutas de Alvide pela primeira vez.
Já não me recordo quem me falara na existência de grutas no lado sul das pedreiras de Alvide, pedreiras que ainda laboravam naquela época; mais tarde, a extração de pedra terminou e no seu espaço foi construído o Bairro de São José.
Fui lá integrado num grupo de crianças moradoras na Amoreira (a norte do Monte Estoril), entre as quais estavam alguns vizinhos do Bairro dos Cucos, da mesma localidade, que já tinham visitado o local.
Não tínhamos lanternas. As que havia à venda eram caras e os tostões que amealhávamos eram escassos, provenientes de algum chumbo, cobre ou ferro, que coletávamos e vendíamos à Rosa “Ferro Velho”. Por isso, às escondidas lá fomos à gaveta da cristaleira que estava na cozinha, onde os pais tinham alguns coutos de velas, que eram usadas para iluminação, quando, à noite, faltava a eletricidade, bem como uma caixa de fósforos.
BATALHAS À PEDRADA
Para chegar às grutas, tivemos que fazer o caminho a pé, um pouco distante de casa para crianças, cerca de dois quilómetros. Mas fez-se bem e tivemos a sorte de não dar com outros jovens dos bairros das Fontainhas, pois de certeza que teria logo terminado a incursão à pedrada.
Diga-se que eram comuns, na região, as batalhas entre púrrias, resolvidas à pedrada, em que os projéteis eram impulsionados por fisgas e fundas.
Ainda está na minha memória mais profunda, quando procuro recordar a única contenda a que assisti, em 1956, quando um grupo de jovens das Fontainhas ou Alvide, foram literalmente afugentados, Cabeço dos Cucos acima, pelos jovens da minha localidade com pedras e algum chumbo de uma pressão de ar do Carlos Alberto. Anos mais tarde, soube pelos mais velhos que os mesmos jovens das localidades a ocidente da Amoreira teriam feito uma primeira incursão chegando até uma obra que decorria frente à Drogaria Amoreirense, tendo só então sido afugentados.
O PRECIPÍCIO NA ESCURIDÃO
Quando chegámos à pedreira, espreitámos as aberturas de três furnas, acabando por entrar na meridional, que tinha sido em parte destruída pelos trabalhos dos cabouqueiros, ao extraírem a pedra.
Acendemos os coutos de vela e entrámos na escuridão de uma galeria, que, devido à sua pouca altura, obrigava a rastejar. Lentamente, uns atrás dos outros, entrámos.
A cerca de dez metros da entrada, parámos. O solo rochoso calcário desaparecia e, um pouco mais à frente, a cerca de dois metros, encontrava-se uma parede lisa. Para quem não sabe, a luz das velas tem um problema: ilumina muito bem para cima e para os lados, mas para baixo não.
Como era a primeira vez que se visitava a gruta, atirámos pedras para o precipício que se encontrava à nossa frente, a fim de ouvirmos se seria muito profundo. Não ouvimos qualquer barulho de retorno, o que nos levou a concluir que seria muito profundo, pelo que voltámos para trás.
À DESCOBERTA DA GRUTA
Só voltei a entrar na gruta de Alvide a 8 de agosto de 1971, guiado pelo Alexandre Morgado, que pertencia à Sociedade Portuguesa de Espeleologia e conhecia bem a caverna.

Já existia a casa-abrigo, mandada construir pela Câmara Municipal de Cascais, por sugestão de António Castelo Branco, então vice-presidente, que era engenheiro geólogo e que, anos antes, tinha sido diretor dos Serviços Geológicos de Portugal. A razão para construir o edifício foi para dar comodidades aos espeleólogos em visita à gruta, podendo mudar de roupa, tomar banho após o regresso, vestirem-se e, fundamentalmente, para evitar a entrada a curiosos que podiam ficar presos no seu interior, o que sucedeu por diversas vezes, obrigando os bombeiros a socorrê-los.
O espanto maior, durante a segunda visita, aconteceu quando cheguei ao local onde, cerca de dez anos antes, tinha parado, por pensar que seria um poço de grande profundidade. Nada disso: era uma galeria transversal, que atingia uma profundidade de apenas cerca de 70 cm. A razão para não ouvirmos as pedras que atiráramos, anos antes, era devido à lama que forrava o piso e abafava o som.
Após a passagem do primeiro poço, descemos o “caracol” até à Fenda do Dr. Brum, nome de uma estreita diáclase em homenagem ao Dr. Brum da Silveira, que foi o fundador da Sociedade Portuguesa de Espeleologia, em 1948.
Seguiu-se o Labirinto, onde a lama é mais que muita e, por fim, a Sala das Mesas, nome proveniente de dois grandes blocos retangulares de calcário; aí, o tecto da gruta está coberto de inscrições de nomes de visitantes e algumas datas, como 1950 e 1952, este último, o ano em que nasci.

Não continuei a progressão. A minha já avantajada constituição isso não permitiu; apenas o Alexandre e o Luís Silva continuaram a descer mais um pouco até uma pequena sala, onde, em tempos, o Morgado teria visto um morcego, indício de que deve haver uma outra passagem para o exterior, na encosta da margem esquerda da Ribeira das Vinhas.

Embora seja uma gruta de médias dimensões, para a realidade portuguesa, o grau de dificuldade encontrado leva a dizer que quem consegue percorrer as suas galerias está apto a visitar outras grutas.

Muito coisa terá que ser feita para que a “Gruta de Avide”, seja conhecida por todos aqueles que vivem e trabalham na zona de Cascais (e não só)! Cabe ao gestores da CMC, divulgar e fazer alguna coisa!
Esperamos?
Como gostei de conhecer estas aventuras juvenis e a existência de uma gruta aqui tão perto que poderia ser visitável pela população interessada!
Oxalá se concretizem as diligências para tornar esse projecto viável.
Muito grata pelo texto.