O AVESSO DA PELE

Mais um livro de Jeferson Tenório, um romance sobre identidade, raça e família. 

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Sim, raça. Sem medo das palavras, eis um romance que encara de frente os preconceitos em relação à identidade negra. A negritude percorre todas as 194  páginas em que um homem vai em busca do seu pai e nessa sua caminhada acredita que os livros podem fazer algo pelas pessoas. Anos a fio o protagonista suportou a pobreza, o racismo e a ausência paterna, para quem viver passou a ser uma  questão de evitar a dor a qualquer custo.

Professor, procura ensinar não só aos seus alunos mas ao próprio filho como os livros nos podem ajudar a suportar as tragédias da vida.

Um professor brasileiro, como tantas outros, transformado numa mera máquina de dar aulas, numa maquina de paciência, numa máquina de repetições… Alguém que simplesmente  não sabe como sobreviveu à escola, primeiro como aluno e depois como professor, transformando-o num ser indiferente e desencantado, um mero operário como tantos outros. Um professor que não abandonou o barco, como tantos outros, permanecendo na linha da frente, ou por ingenuidade ou por imbecilidade. E que aprendeu esta sábia lição: quando se lida com alunos durante vinte anos, uma linha muito ténue começa a separar a lógica do absurdo.

E um adulto cuja vida fora um desfile de abismos, um grande catálogo de perdas.

Um livro sobre o amor entre brancos e pretos, sempre um desafio numa sociedade hipócrita, relações condicionadas e medidas pela raça, afetos e desejos, aos olhos da sociedade, dependentes de mais ou menos melanina. 

Um livro sobre a infância, essa fase que nos oferece as mágoas contra as quais passaremos o resto da vida a lutar. Um livro sobre perspetivas sempre, mais tarde ou mais cedo, estilhaçadas pela realidade.

Um livro sobre ter ou não filhos, para muitos uma espécie de segurança contra a solidão. E também, um livro sobre mulheres que se deixam engolir pelo matrimónio.

Será que a certa altura da vida, as pessoas perdem a capacidade de amar? Um homem que com apenas 52 anos deixou de saber como perdoar, depois de passar uma vida num campo minado, no fundo do poço de uma relação.

Por fim, uma reflexão sobre a vida e a morte: quando morremos, quando o nosso coração deixa de bater, não importa o que fizemos com a nossa vida, quantos planos abandonámos ou quantas pessoas magoámos ou nos magoaram, quantas vezes perdemos ou ganhámos… Não! Apenas interessa o que estávamos a fazer quando a morte nos visitou. Mas a morte é sempre uma ofensa, uma saída em silêncio. O protagonista morre, baleado pelo polícia, no sul do Brasil. Será um corpo negro sempre um corpo em risco em determinados lugares deste planeta?

recorte

Deste livro, resta o mar como remédio. Sempre o mar. A proximidade com o mar como condição a seguir. Era assim que a mãe do protagonista se salvava. E é também assim que eu me salvo.

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